São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2000

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OMBUDSMAN
Buracos de jornal

RENATA LO PRETE

Depois de ler, no site da ombudsman, críticas de edições da semana passada, um leitor perguntou se eu havia notado que boa parte de minhas observações dizia respeito a "buracos" nas notícias, informações que o jornal ficara devendo. Alguns dos exemplos apontados por ele:
a) Na terça-feira, a extensa reportagem que apresentou o terceiro debate entre os candidatos à presidência dos EUA não mencionou nem o horário nem as emissoras em que o encontro daquela noite poderia ser visto.
O jornalista costuma subestimar a irritação causada por falhas como essa, confiando que seus comentários serão sempre mais úteis ao leitor do que a informação básica de que este necessita para avaliar o debate por conta própria.
b) Páginas antes foi noticiado que Telma de Souza (PT), ex-prefeita e candidata em Santos, acusa a administração de Beto Mansur (PPB), seu adversário no segundo turno, de compra superfaturada de pães.
Dois leitores, além de assessora do prefeito, perguntaram por que o texto omitiu que a empresa fornecedora de pães é a mesma da gestão do petista David Capistrano, que enfrentou idêntica acusação de superfaturamento.
c) No dia seguinte, reportagem atribuiu o decreto que tirou quase todo o Nordeste do horário de verão ao "recomeço da disputa judicial entre os Estados e o governo". Que disputa? Por que o Nordeste rejeita o relógio adiantado? Nada.
Como se fosse lido em capítulos, o jornal registra apenas o desfecho da história, assumindo que o leitor viu e se recorda de explicações anteriores.
d) A capa de Esporte da mesma quarta-feira falou exclusivamente da CPI da Câmara que investiga o futebol, sem fazer nenhuma referência à comissão de objetivo semelhante em andamento no Senado.
Na página seguinte, o assunto era a CPI do Senado, tratada, salvo por uma menção no pé da reportagem, como se a outra não existisse.
Em vez de lembrar que as comissões são duas e como isso aconteceu, o jornal dá de barato que todo mundo já entendeu e não vê nada de estranho nas CPIs simultâneas.
e) A Assembléia Legislativa do Amapá votou pelo afastamento do governador. João Capiberibe sustenta que a decisão não tem valor, pois o Supremo Tribunal Federal havia anulado o processo contra ele.
Como fica a situação? Depois de atravessar duas matérias sem encontrar resposta clara, pensei que ela viria em um texto publicado na quinta-feira, feito a partir de entrevistas com especialistas.
Seu título: "Advogados contestam decisão da Assembléia". Expectativa frustrada. O texto cujo propósito era esclarecer a questão jurídica se limitou a dizer, por três vezes, que os entrevistados consideraram o afastamento uma "aberração".
Antes que se acuse a ombudsman e o leitor de excessivo apego a detalhes, vale a pena observar duas coisas.
A primeira é que, excetuada a história do pão superfaturado, as reportagens citadas foram as principais de suas respectivas páginas. CPI foi capa de caderno. Horário de verão e Amapá chegaram à Primeira Página.
A segunda é que todos são casos de informação incompleta, que por essa razão se torna tendenciosa, incompreensível ou simplesmente de pouca utilidade.
"É recomendável", diz o projeto editorial da Folha, "que a gama de assuntos a ser cobertos se reduza em alguma medida, desde que em contrapartida (...) o tratamento que receberem seja mais compreensivo". Os exemplos mostram a distância entre o dia-a-dia do jornal e o que ele pretende ser.


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Renata Lo Prete é a ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor -recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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