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OMBUDSMAN
11 de setembro - 2
BERNARDO AJZENBERG
No dia 18 de janeiro de 1991,
em plena Guerra do Golfo,
uma parte da edição da Folha
(80 mil exemplares) circulou
com a seguinte manchete: "Sadam lança armas químicas; Israel reage e entra na guerra".
Como se sabe, naquela ocasião, nem Bagdá usou esse tipo
de arma nem Tel Aviv entrou diretamente no conflito. Foi um
erro de grande porte, corrigido,
na mesma noite, na maioria dos
exemplares ("Sadam ataca Israel com mísseis; cresce a guerra
no Oriente Médio", eis a manchete que prevaleceu).
A origem do "escorregão" esteve em informações truncadas
emitidas pela TV (a "grande estréia" da CNN) e em precipitação na edição da capa do jornal.
Até agora, nada comparável
aconteceu no noticiário da "nova guerra americana" -esta, a
rigor, nem bem começou-, mas
toda a atenção será pouca para
evitar semelhante estrago.
Como se previa, a complexidade e as múltiplas possibilidades
de ações e reações geradas a partir do 11 de setembro começaram
a tornar difícil, sujeita a armadilhas, a cobertura da imprensa.
A Folha, que teve ótimo desempenho na primeira semana
da "guerra", sofreu inflexão negativa nos últimos dias, em particular a partir da quarta-feira.
A impressão foi que o jornal,
ironicamente, parecia mais preparado para cobrir a catástrofe
das torres gêmeas e um confronto imediato, tradicional, com rápida retaliação norte-americana, do que para aquilo que de fato aconteceu: intensa e delicada
movimentação diplomática,
busca de suspeitos, informação e
contra-informação, pistas falsas,
deslocamentos de tropas militares cujo grau de "encenação" ou
despiste ainda não se sabe -ou
não se sabia até o fechamento
desta coluna- ao certo qual é.
Com efeito, para além do
acompanhamento do resgate de
corpos e da investigação dos
atentados, o grande assunto da
semana foi a movimentação
geopolítica, a tentativa dos EUA
e aliados mais fiéis de costurar
apoio concreto à "guerra contra
o terrorismo".
E foi nesse terreno que a Folha,
nos últimos dias, mais patinou.
Faltaram análises ou artigos
que expressassem com clareza e
didatismo os impasses da conjunção, em resumo, de fanatismo e globalização, sua expressão
concreta na situação criada no
eixo Washington-Cabul.
Só na quinta (20), por exemplo, o jornal trouxe um texto de
um "peso-pesado" da política internacional, o ex-secretário de
Estado Henry Kissinger. Pode-se
discordar de suas apreciações,
mas é inegável que elas têm valor político e jornalístico.
Uma explicação para essa lacuna pode ser o fato de que a Folha não tem estabelecido uma
tradição de acompanhamento
sistemático de questões de geopolítica internacional.
Cobre em geral com boa qualidade os conflitos localizados
(Oriente Médio, Bálcãs, por
exemplo), mas pouco espaço dedica à reflexão e ao noticiário referentes à reacomodação global
pós-Guerra Fria e queda do Muro de Berlim.
Pesquisa do Banco de Dados
do jornal mostra que apenas em
5 dos 34 finais de semana (edições que concentram as reportagens especiais) de janeiro a agosto deste ano houve material dedicado a isso.
Mesmo no caderno Mais! (caracterizado por editar ensaios e
artigos), apenas seis textos tratavam especificamente do tema.
No momento em que surgem
acontecimentos da envergadura
dos que estamos enfrentando, tal
deficiência mostra a cara.
Divergências
Além desta, outra fragilidade
apareceu: a dificuldade de mostrar o que acontecia dentro do
governo americano, mais precisamente, as divergências relativas ao modo, grau e forma de
reação aos atentados. Era natural e esperado, mas o jornal não
conseguia trazer nada.
Na edição de sexta, finalmente, a edição nacional da Folha
reproduziu um texto do "New
York Times" que informava com
detalhes as diferenças entre, de
um lado, Colin Powell (secretário de Estado) e, de outro, Dick
Cheney (vice-presidente).
Sintomaticamente, porém, este
importante e revelador texto, em
vez de ter sido apenas deslocado
para algum outro espaço, foi extirpado da edição SP, para dar
lugar à íntegra do discurso feito
na noite de quinta-feira por
George W. Bush.
Este último, aliás, protagonizou um terceiro problema nas
edições da semana: a escolha entre o principal e o secundário.
Bush fez um pronunciamento
claro e contundente. Não foram
poucos os analistas que viram
nele uma virada de comportamento. Como lembrou o jornal
"Clarín", foi a primeira vez que
um presidente dos EUA se dirigiu ao Congresso depois de um
ataque em solo norte-americano
desde que Franklin Roosevelt falou aos parlamentares após o
ataque de Pearl Harbor (1941).
A Folha, no entanto, preferiu
dar a manchete do jornal e do
caderno "Guerra na América"
para os religiosos ligados ao Taleban ("Afegãos pedem a saída
de Bin Laden, sem fixar data").
Lapso semelhante aconteceu
na quinta. Em um caderno subitamente "encolhido", com apenas seis páginas, uma delas quase toda foi dedicada a uma pesquisa que mostra o desejo majoritário dos nova-iorquinos de reconstruir as torres.
A "nova guerra" está apenas
no início. Ninguém sabe quantos
capítulos terá, mas serão muitos.
Os erros da semana passada,
aliados à grave falha de 1991
mencionada no início deste texto, devem servir como alerta. Vale repetir o que escrevi aqui na
semana passada: o 11 de setembro não veio para facilitar a vida
de ninguém.
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