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OMBUDSMAN
Pearl & Finkel
BERNARDO AJZENBERG
Dois repórteres norte-americanos acabam de entrar para a história -um pela
porta da frente, outro pela dos
fundos.
Na quinta-feira, os Estados
Unidos reconheceram formal e
oficialmente a morte de Daniel
Pearl, enviado especial do
"Wall Street Journal" ao Paquistão para a cobertura da
chamada "guerra ao terror".
Sequestrado em 23 de janeiro,
ao que tudo indica, por extremistas islâmicos que reivindicavam a soltura de membros
paquistaneses do Taleban e da
Al Qaeda presos na base militar
norte-americana em Guantánamo (Cuba), o jornalista foi
decapitado.
Morando em Bombaim (Índia), Pearl chefiava a sucursal
do diário econômico no sul da
Ásia. Foi descrito pelo publisher
do jornal, Peter Kann, como
"um excepcional colega, um
grande repórter e um amigo
querido de muitas pessoas do
jornal".
Seus captores no Paquistão o
acusavam de ser agente da CIA
e membro do serviço secreto de
Israel.
Embuste
No dia seguinte, o "New York
Times" anunciou a dispensa de
um jornalista, colaborador seu,
Michael Finkel.
Motivo: ele foi o autor de uma
reportagem forjada, publicada
em 18 de novembro na "Times
Magazine", revista dominical
do jornal.
Nela, traçava-se o perfil de
um jovem africano de nome
Youssouf Malé, proveniente do
Mali e que se teria vendido para
trabalhar por US$ 102/ano numa plantação de cacau na Costa do Marfim. O texto chamava-se "É Youssouf Malé um escravo?".
Havia, inclusive, uma foto,
feita pelo jornalista, de um jovem (sem identificação), que seria, supostamente, Malé.
Conta o "Times" que no dia
13 de fevereiro Finkel afirmou
ao jornal que a organização
humanitária Save the Children,
mencionada na reportagem como tendo auxiliado Malé, o
procurara para dizer que o jovem da foto não era ele, e sim
um tal Madou Traoré.
Pressionado, Finkel acabou
admitindo que compusera um
personagem a partir de relatos
de jovens escravos, entre eles
Malé e Traoré. Forçou a barra,
em suma, inventando um perfil, apresentado ao leitor, no entanto, como um indivíduo real.
O caso lembra outro, célebre,
de 1981, quando Janet Cooke,
então no "Washington Post",
ganhou o Prêmio Pulitzer por
uma reportagem publicada no
ano anterior cujo protagonista
era um viciado em heroína de
oito anos de idade, personagem
inventado por ela.
Pode parecer óbvio, mas vale
a pena afirmar que os dois casos, de Pearl e de Finkel, ambos
excepcionais, devem servir de
lição para jornalistas e leitores.
No caso dos primeiros: a profissão, em muitos momentos,
envolve riscos, de morte e de indignidade, sendo a primeira
uma fatalidade, algo inevitável,
e a segunda, a triste opção pelo
embuste.
Para o leitor: há quem acabe,
mesmo sem querer, sacrificando-se pela informação que você
consome; nem por isso, deve-se
aceitar de olhos fechados tudo
aquilo que a imprensa oferece.
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