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OMBUDSMAN
Relatos sem vida
BERNARDO AJZENBERG
Cada meio de comunicação
tem suas vantagens e seus limites específicos. Onde um ganha o outro perde -daí, inclusive, o seu alto grau de complementaridade.
Um dos trunfos do jornal impresso está na possibilidade de
registrar detalhes que escapam a
uma câmera ou a um microfone,
depoimentos longos, o "clima"
preponderante em determinado
evento público, seus bastidores.
Aliada aos inúmeros recursos
gráficos de edição e impressão,
essa possibilidade, quando bem
aproveitada, confere vigor a
uma reportagem, torna-a instigante, rica. Faz do jornal algo diferenciado, indispensável.
Recentemente, a Folha forneceu pelo menos três contra-exemplos disso, casos nos quais
um tratamento burocrático e relatorial da notícia desidratou
suas potencialidades e, em boa
parte, redundou em omissão de
informações.
No dia 13, um grupo de pessoas
fez o primeiro "flash mob" (manifestação organizada via internet) paulistano. A rigor, foi uma
brincadeira -durante segundos, elas bateram no asfalto as
solas de seus calçados-, mas
que chamou a atenção de muita
gente na avenida Paulista.
Apesar de ter dado foto na capa, a reportagem da Folha sobre
o evento foi mínima e, pior, não
trouxe nenhum depoimento dos
participantes, suas motivações,
que tipo de gente ali estava. O
único elemento "vivo" do texto
foi a declaração de um fiscal de
trânsito perplexo com o evento.
Essa falta de informação e de
"tempero" se repetiu na última
terça, na reportagem sobre uma
manifestação de milhares de camelôs na frente da Câmara Municipal paulistana contra a proibição de montar a chamada
"feirinha" na rua 25 de Março.
O "Estado de S.Paulo", por
exemplo, registrou que a passeata ocorreu ao som do Hino Nacional, que em vários momentos
a direção do movimento pedia
ordem e calma; descreveu dizeres de faixas e informou que os
camelôs não foram recebidos pelo presidente da Câmara.
O texto da Folha não tinha nada disso. Apenas dava conta de
que houve o evento, o local, o
motivo, e de que um pedido dos
manifestantes foi protocolado.
O fato de o concorrente ter alçado o caso ao alto de uma página, diferentemente da Folha
-que não o considerou relevante-, pode explicar parte dessa
diferença, mas não a ausência
de vida no relato publicado.
Semelhante falta de sensibilidade e de vigor editorial apareceu na forma como foi editada
uma notícia, no mínimo, inusitada: a do lavrador de Montes
Claros (MG) que, imaginando
ser tratado de uma dor de ouvido, submeteu-se, sem saber, a
uma vasectomia.
Apesar dos variados recursos
de linguagem e de concepção
gráfica (um quadro específico,
uma ilustração, por exemplo)
disponíveis para lidar com uma
notícia tão particular, rara e de
traços cômicos (provavelmente
não para o protagonista, mas isso é uma outra questão), a publicação do curioso acontecimento
(na quarta, 20) obedeceu às mesmas características das demais
notícias na mesma página ("SP
será a 1ª a receber unidade móvel de UTI" ou "Só escola com
educação sexual terá camisinha", por exemplo).
A perda em casos como esses
nem sempre é visível ou imediata. Ao longo do tempo, porém, o
burocratismo e o registro meramente relatorial -que evidenciam certo comodismo editorial
e depõem contra a riqueza do
jornalismo- acabam por esgarçar a relação entre leitor e jornal:
afinal, para que recorrer ao veículo impresso se tudo já foi registrado no rádio, na TV e na internet no dia anterior?
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
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