São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 2001

Texto Anterior | Índice

A coisa errada

No domingo passado, Cotidiano publicou reportagem sobre empresas no Rio de Janeiro que pagam a traficantes de drogas para garantir a segurança de seus negócios, assunto trazido à pauta pelo episódio ocorrido no Carrefour de Jacarepaguá.
Dois casos foram relatados por meio de ilustrações. No primeiro, funcionários de uma empreiteira com obra em favela acertam com o chefe local do tráfico o pagamento de uma quantia mensal em dinheiro.
Quando desaparece uma britadeira, a empresa reclama. No mesmo dia, traficantes devolvem o equipamento e apresentam o responsável pelo furto.
No segundo caso, uma estação de trem do subúrbio, ponto de prostituição e venda de drogas, transforma-se em local seguro depois que a concessionária da linha se entende com a associação de moradores.
Ao todo, oito desenhos e duas constantes: todos os praticantes de crimes são caracterizados como negros; todas as vítimas (reais ou potenciais) de violência são brancas.
São negros o chefe do tráfico na favela, seu subalterno com arma na cintura e o ladrão da britadeira, bem como a prostituta (de bolsinha e tudo) e o vendedor de drogas da estação.
São brancos os funcionários da empreiteira e da concessionária, o rapaz que consome a droga e as mães e crianças que transitam pela plataforma recuperada.
"A quem serve a veiculação de tanto preconceito racial?", perguntou uma leitora. "Com certeza não à luta pela solução dos problemas sociais de nosso país."
Não é a primeira vez que a Folha escorrega nessas "histórias em quadrinhos". A reincidência indica o quão arraigadas são as imagens da discriminação.
O ilustrador por certo não percebeu. O encarregado de aprovar ou rejeitar o desenho também não. Exatamente porque ninguém percebeu o jornal tem de redobrar esforços para se educar e banir de suas páginas a difusão de preconceito.
"Todos sabemos que a imagem é carregada de informação", escreveu outro leitor. "Essas ilustrações perpetuam uma estética em que o negro é apresentado como o marginal, o fora-da-lei."
Inspirado pela nova campanha publicitária do jornal, ele concluiu: "Não posso calar diante da coisa que está por trás da coisa".


Texto Anterior: Renata Lo Prete: Distraídos no Senado
Índice


Renata Lo Prete é a ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor -recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Renata Lo Prete/ombudsman, ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br.
Contatos telefônicos: ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.