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OMBUDSMAN
O Brasil não conhece o Brasil
MARCELO BERABA
Se a cobertura jornalística
da violência urbana é difícil,
irregular e superficial, como vimos no domingo passado a propósito da Rocinha, no Rio, imagine o acompanhamento dos conflitos que explodem na Amazônia.
Na manhã do dia 7, uma quarta-feira, índios cintas-largas atacaram garimpeiros que extraíam
ilegalmente diamantes em suas
reservas, em Rondônia. Mataram
três na hora e aprisionaram os
que não conseguiram fugir. No
dia seguinte, mataram os prisioneiros. O que se sabe até agora é
que foram pelo menos 29 mortos.
É mais do que o dobro dos 13 que
tombaram na Rocinha ao longo
das duas últimas semanas.
A notícia da matança foi divulgada na quinta-feira, e a Folha
publicou a primeira reportagem
sobre o caso na Sexta-Feira Santa, com informações colhidas pelo
repórter Rubens Valente, por telefone, de São Paulo. Como a Folha
não tem jornalista em Rondônia,
na segunda-feira, dia 12, enviou
para Porto Velho uma equipe formada pelo correspondente em
Campo Grande (MS), Hudson
Corrêa, e pelo fotógrafo Antônio
Gaudério, de São Paulo.
Os grandes jornais, como a Folha, o "Estado" e "O Globo", por
economia ou por razões editoriais
que desconheço, não têm estrutura jornalística na Amazônia.
A região é formada por nove Estados, equivale a aproximadamente 60% do território nacional
e tinha em 2000 cerca de 21 milhões de habitantes, bem mais do
que a região metropolitana de
São Paulo, com 17,8 milhões. Para
cobri-la, a Folha tem hoje apenas
uma jornalista contratada, Kátia
Brasil, em Manaus. A Folha tem
uma correspondente em Pequim
e não tem em Belém. A situação
do "Estado" e do "Globo" na
Amazônia é igual à da Folha ou
pior.
A carência de jornalistas significa que os jornais acompanham
mal o que acontece na região, como a ação do narcotráfico nas
fronteiras com a Colômbia e a
Venezuela, o contrabando de madeira, os desmatamentos, os conflitos em áreas indígenas, as fraudes nos governos estaduais e municipais, a biopirataria e a discussão sobre desenvolvimento e preservação ambiental.
A cobertura não é contínua e os
repórteres não têm como se especializar, porque vivem longe e são
deslocados apenas quando existe
crise.
Os deslocamentos são complicados. A equipe da Folha que saiu
na segunda-feira em direção a
Rondônia só se aproximou da reserva Roosevelt na noite de terça.
Porto Velho fica a 3.000 km de
São Paulo e a mais de 2.000 km de
Campo Grande. De Porto Velho a
uma das três cidades mais próximas da entrada da reserva são
mais de 500 km. E dessas cidades
até a entrada da reserva levam-se
mais três ou quatro horas de estrada de terra.
Na sexta, dia 16, começou uma
rebelião no presídio Urso Branco,
em Porto Velho. Os jornais só foram noticiá-la na terça, quando
já haviam sido mortos e decepados pelo menos oito presos. Neste
caso, os três grandes jornais e a
TV Globo contaram com a sorte,
termo inadequado diante de tanta tragédia. Seus repórteres desembarcaram em Porto Velho no
fim de semana porque souberam
que a Polícia Federal estava na
iminência de desencadear uma
nova megaoperação, a Mamoré.
Por essa razão, puderam ter uma
cobertura local da barbárie que
dominou a rebelião.
No caso dos índios, a Folha foi
ágil no primeiro momento. Ela
não estava desatenta, tanto que
já tinha publicado reportagens
sobre os conflitos na reserva.
Mas, no final, foi uma cobertura falha porque, até o fechamento
desta coluna, não foi possível saber de fato o que aconteceu naquela manhã do dia 7 no garimpo e por quê. A história que está
por trás daquelas mortes ainda
não foi contada. Pode ser que algum jornal, revista ou TV consiga
fazê-lo neste domingo.
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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