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OMBUDSMAN
Histórias da carochinha
RENATA LO PRETE
Abaixo , trechos de reportagens da Folha de quarta-feira sobre o programa de combate à violência anunciado na
véspera pelo governo federal.
"Na prática, a medida (provisória que suspende o registro de
armas até 31 de dezembro) inviabiliza a venda, já que elas só
podem sair das lojas depois de
registradas."
"Apesar de não serem obrigados a cumprir nenhum percentual, (para obter recursos do
Fundo Nacional de Segurança
Pública) os governadores terão
de provar com números que
reduziram o índice de criminalidade e aumentaram o de
apuração de crimes."
"Além de ser multada, a
emissora (de TV) que descumprir a norma de classificação
(de atrações por horários) poderá ser obrigada a exibir programas educativos, cuja realização seria financiada por um
fundo formado pelas multas."
"Um dos maiores obstáculos
ao anúncio do plano -a falta
de dinheiro para bancar gastos
extras de R$ 512,5 milhões neste ano- foi vencido porque a
equipe econômica descobriu
na última hora uma folga nas
metas do ajuste fiscal negociado com o FMI."
A julgar por esses textos, o
problema da violência parece
de solução simples.
A confiança nos efeitos da
medida provisória faz supor
que bandidos compram armas
em balcão de loja, e que portanto ficarão sem elas uma vez
suspenso o registro.
Pela descrição do jornal, apenas governadores com lição de
casa muito bem feita verão a
cor do dinheiro do fundo.
No caso das multas, que ocuparam lugar de destaque na
cobertura da Folha, deve-se
imaginar que as emissoras vão
adequar suas grades de programação aos desígnios do Ministério da Justiça.
Por fim, o dinheiro que supostamente não havia para
combater a criminalidade
apareceu como grata surpresa.
O leitor e o jornal sabem que
as coisas não funcionam assim.
Que a medida provisória,
louvável ou não, será incapaz
de desarmar quem se pretende
desarmar com ela.
Que os governadores se rebelaram antes mesmo do anúncio do
plano, sepultando a idéia do
cumprimento de metas percentuais como pré-requisito para receber ajuda. É improvável que
aceitem a imposição mais modesta de demonstrar seu esforço
"com números".
Que não há chance de um belo
dia o telespectador encontrar
um programa denominado educativo no lugar dos rapazes com
pouca roupa da novela das 19h,
cuja exibição havia sido recomendada pelo Ministério da Justiça para depois das 20h (para
não falar no duvidoso impacto
que tal providência teria sobre os
índices de violência).
Quanto ao dinheiro, dificilmente saberemos se foi mesmo
"descoberto na última hora" ou
se isso é apenas o que diz o governo. Na dúvida, a prudência
recomenda creditar a versão a
seu autor, em vez de assumi-la
como fato.
Se o jornal sabe de tudo isso,
por que então noticia o plano como quem conta histórias da carochinha?
É curioso constatar o fenômeno na Folha, de longe o diário
que menos se entusiasma com
anúncios como o da semana
passada. Há quem goste do jornal por causa disso. Há quem o
deteste pelo mesmo motivo. Poucos discordam de que essa é uma
de suas características.
Na própria quarta-feira, enquanto concorrentes festejavam
os R$ 3 bilhões que, segundo o
presidente, serão investidos em
segurança pública até 2002, o título principal do caderno Cotidiano resumia as medidas dizendo que o "Plano de FHC refaz
promessas eleitorais".
No dia seguinte, o jornal destacou que, com plano e tudo, o governo manteve bloqueada parte
da verba prevista no Orçamento
deste ano para o Fundo Penitenciário Nacional.
Mas, quando se desce da superfície dos títulos para o miolo dos
textos, o relato costuma ser mais
crédulo. A escolha das palavras
trai o oficialismo das reportagens, fruto tanto da facilidade
para incorporar o discurso do governo quanto da dificuldade para tratar dos assuntos de maneira um pouco mais aprofundada.
Nas páginas, o resultado é uma
divisão estranha, em que a reflexão parece ser exclusividade dos
textos opinativos. Nos demais, o
jornal demonstra acreditar em
tudo o que lhe contam.
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