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OMBUDSMAN
Temores
BERNARDO AJZENBERG
A imprensa brasileira passa
por um dos momentos mais
delicados de sua história.
As verbas de publicidade sofreram desaquecimento, o preço do
papel (em dólar) disparou ao
longo do ano. Vale para a mídia
em geral, rádio, TV, com destaque para jornais e revistas.
Não por acaso se intensificaram nas últimas semanas as
pressões dos empresários do setor, dirigidas ao Congresso e ao
Planalto, para que seja aprovada o quanto antes a mudança
na legislação que permita a participação de capital estrangeiro
nessas empresas, algo que o artigo 222 da Constituição impede.
Seria uma forma de sanear cofres -em tese e em parte.
A inédita mobilização política
em torno da proposta e a unidade demonstrada pelos donos dos
meios de comunicação indicam
que, depois de muitos anos na
gaveta, ela deverá ir adiante.
Há duas preocupações principais nesse assunto -que deve ir
a votação na Câmara nesta semana que entra e no Senado no
início de 2002-, e ambas interessam diretamente não só a
empresários e jornalistas, mas
aos leitores, à sociedade, que, em
última instância, é a fiadora da
liberdade de imprensa.
Demissões
A primeira é econômica e imediata.
Nos últimos meses, aproximadamente 500 jornalistas foram
demitidos das redações em diferentes empresas e pontos do país,
com fechamento de sucursais,
enxugamento de equipes em sites noticiosos, redução de correspondentes no exterior.
Você, leitor, não ficou sabendo
disso, ou soube apenas em parte,
porque os jornais têm o péssimo
hábito de esconder decisões antipáticas que se vêem às vezes
obrigados a tomar, ao mesmo
tempo em que expõem, em títulos inequívocos, demissões em
outras áreas da economia.
Tal movimento por parte das
empresas decorreria de um ajuste derivado da queda de receitas
e do aumento de despesas. Ninguém quer jogar dinheiro fora.
Mas também se trata, é fácil
imaginar, de uma espécie de preparação, um "saneamento estrutural" realizado com vistas a
tornar essas empresas "mais produtivas", atraentes aos investidores estrangeiros que tenderão
a buscar parcerias assim que a
mudança mencionada na legislação for aprovada.
Arrumem-se as casas, enfim,
seria o raciocínio. Caso contrário, nem adianta mexer na
Constituição, que o dinheiro externo não virá. Até porque a
disputa por esse dinheiro não será pequena.
Se o ajuste nas despesas é feito
de forma "burra", como dizem
os economistas, as consequências a curto prazo, do ponto de
vista da qualidade jornalística,
são previsíveis: a escassez de profissionais torna o jornal dependente em excesso de agências internacionais, carente de agenda
própria, frágil na incapacidade
de apresentar furos.
Sem falar na redução do número de páginas (fenômeno que
agride muitos leitores, principalmente, veja o paradoxo, quando
ocorre o crescimento do percentual de ocupação de papel por
parte de anúncios no conjunto
do produto adquirido pelo leitor).
Na cobertura dos atentados de
11 de setembro e da "nova guerra" ficou evidenciado o perigo
que essa desqualificação impõe
no que diz respeito a manipulação e incertezas na informação e
o quanto só uma significativa
"liberalidade" no uso de papel
possibilita, em certos casos, algum êxito no produto final.
Ainda no terreno econômico,
há quem tema que a provável
vinda de dinheiro de fora provoque até mais ajustes, mais cortes
-mas, por enquanto, se trata de
especulação.
A verdade é que, embora não
pareça haver outra saída, ninguém sabe muito bem o que significará, em impacto operacional e administrativo, a provável
entrada do capital estrangeiro
nas empresas brasileiras.
Pode ser bom ou ruim. Ruim a
curto prazo, mas bom a médio e
longo prazos ou vice-versa.
Dilema existencial
A segunda preocupação -e
incógnita- é especificamente
de conteúdo editorial.
A experiência das inúmeras
fusões ou realocações societárias
nas empresas de comunicação
em diversos países tem demonstrado que nem sempre há pruridos, por parte dos investidores,
em atacar aspectos essenciais do
bom jornalismo em nome de interesses "mais amplos".
Independência editorial, contundência crítica, livre investigação -todos esses atributos
podem ser sutilmente desestruturados ou questionados.
Além disso, como alertou Clóvis Rossi em coluna na última
quarta-feira, o ingresso de dólares ou pesetas não resolverá
-ao contrário, pode acentuar- o fenômeno indesejável
da concentração da propriedade
dos meios de comunicação.
Significa dizer que a situação
atual, apesar das dificuldades,
seria preferível à nova que se
aguarda? Certamente, não.
O leitor perdoe o tom talvez
um tanto lúgubre desse texto,
mas o fato é que há uma espécie
de impasse na condução do jornalismo como empresa, aqui e
no exterior. Um dilema existencial simples e antigo: se ficar o bicho come, se correr...
É importante que jornais compartilhem com leitores essas dúvidas. Eles precisam saber delas,
pois se trata de desafios que o seu
direito à informação terá de vencer para continuar vivo.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
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