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OMBUDSMAN
Histórias da violência
BERNARDO AJZENBERG
Na semana em que o secretário nacional de Segurança
"caiu", sob a acusação de nepotismo, e em que a Câmara dos
Deputados aprovou o Estatuto
do Desarmamento, pelo menos
cinco casos relevantes relacionados à criminalidade e à violência
ocorreram ou vieram à tona.
Desses, dois receberam da Folha tratamento que me parece
adequado: novas revelações do
inquérito sobre a morte de Nelson Schincariol envolvendo um
jovem que teria relações pessoais
com membros da própria família
do empresário de Itu (SP); e a insegurança de estudantes em torno das escolas de classe média e
média-alta no bairro de Alto de
Pinheiros, em São Paulo.
Quanto aos demais, porém, o
jornal deixou bastante a desejar.
Na tarde de domingo, o sindicalista Paulo Gonçalves, diretor-conselheiro do Sindicato das
Cooperativas de Transporte Alternativo do Sistema Bairro-a-Bairro de São Paulo, foi assassinado com cinco tiros à queima-roupa perto da sede da entidade.
Alguns jornais destacaram o
crime nas suas capas, na segunda-feira. A Folha não só deixou
de fazer isso, como reservou-lhe
apenas uma nota "Panorâmica"
na parte inferior da última página de Cotidiano.
Quem tem acompanhado minimamente o noticiário dos últimos anos sobre o transporte urbano paulistano sabe o quanto o
sindicalismo, nesse campo, está
imbricado com a violência.
Como anotei na crítica interna, "trata-se de um setor reconhecidamente delicado, violento
e estretégico politicamente, ao
qual a Folha costuma dar bastante atenção". Dessa vez, no entanto, o jornal avaliou mal o peso da notícia.
Cominelli
O mesmo ocorreu no caso do
estudante de engenharia mecânica da Universidade de São
Paulo (USP) Ângelo Luís Cominelli, encontrado morto no rio
Tietê na quarta-feira depois de
permanecer desaparecido durante quatro dias (ele fora visto
pela última vez na "Peruada",
uma tradicional festa de estudantes de direito da USP, no centro da cidade).
A notícia de que o jovem sumira foi dada na própria quarta
pelo "Estado de S.Paulo" e pelo
"Jornal da Tarde". A Folha só
"entrou" no caso na edição de
quinta-feira, com chamada na
Primeira Página e destaque na
capa de Cotidiano.
No entanto, seu material era
frio, apoiado basicamente nos
dados da polícia e de um parente. Nada se publicou sobre o perfil do jovem, nenhuma imagem
dele nem declarações de colegas.
O "Estado", por exemplo, editou fotos do resgate do corpo, um
retrato "3 x 4" de Cominelli e entrevista, com foto, do pai.
Com exceção de uma parte dos
exemplares da edição nacional
(que receberam página inteira
com fotos, declarações e detalhes
de como foi o enterro do rapaz
na sua cidade, Cerqueira César,
ao qual compareceram 3 mil dos
15 mil habitantes), a Folha manteve o assunto, sexta-feira, apenas em uma página interna,
"abaixo da dobra" (na parte inferior da página).
Tal tratamento superficial reflete, a meu ver, falta de sensibilidade para uma história cujos
ingredientes e cujo mistério
-ainda vivo- tocam fortemente os leitores do jornal.
Não deixa de ser irônico: enquanto o corpo de Cominelli
provavelmente já boiava no rio,
o alto da página C6 da Folha
trazia, na segunda-feira, o seguinte título: "Obra no Tietê reduz chances de inundação".
Galdino
O terceiro caso teve uma constituição mais estranha.
Na terça, Luís Nassif reproduziu em sua coluna, em Dinheiro,
a informação de que um dos rapazes presos pelo assassinato do
índio Galdino Jesus dos Santos,
em Brasília, tentou cortar o próprio pescoço na cela do presídio
na tarde do último dia 15, poucos
dias depois da publicação de
uma série de reportagens nos
principais jornais -Folha inclusive- sobre privilégios de que
ele e seus cúmplices estariam gozando no regime prisional.
O tema dos tais "privilégios" é
controverso. Mas o que mais
chama a atenção, aqui, é que a
suposta tentativa de suicídio do
rapaz não foi noticiada pela mídia, apesar do vasto espaço dedicado poucos dias antes às tais
"mordomias".
Na quarta, o "Globo" publicou
uma nota repetindo o que Nassif
divulgara. Na Folha, nem isso se
viu. O jornal não retomou aquelas informações básicas nem produziu uma reportagem para
complementá-las, a fim de oferecer dados ao leitor que, naturalmente, não busca notícia policial
em colunas de Dinheiro.
Em tempo: sobre este último
caso, a Secretaria de Redação informa ao ombudsman que a reportagem do jornal foi e continua indo atrás da história, em
Brasília, mas que ninguém, até o
momento, quis confirmá-la oficialmente.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
ou pelo fax (011) 224-3895.
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ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira. |
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