|
Próximo Texto | Índice
OMBUDSMAN
Jogo dos sete erros
BERNARDO AJZENBERG
Leia essas duas histórias:
1) Um bancário foi morto
com um tiro na cabeça segunda-feira por volta das 12h30 quando
dois homens tentaram roubar
seu automóvel Polo. Ele, provavelmente, teria reagido ao assalto. Antes de abordá-lo, os ladrões -um aparentando ser
menor de idade, o outro com cerca de 30 anos- tinham roubado
duas bicicletas e vinham sendo
seguidos pelas vítimas quando
um deles bateu num carro. Depois de atirar no bancário, desistiram de pegar o Polo e roubaram, para fugir, o Santana de
um taxista que estava por ali. O
bancário era marido de uma delegada-assistente de polícia.
2) Um piloto da TAM foi morto com um tiro na testa segunda-feira por volta das 13h após descer de seu Fiat Palio para tentar
impedir que dois homens assaltassem um casal que estava num
Vectra. Após o disparo contra
ele, os ladrões - com cerca de 20
anos de idade- fugiram numa
bicicleta e bateram num Mercedes. Em seguida, abandonaram
a bicicleta e roubaram um táxi
para fugir. O piloto era marido
de uma delegada de polícia.
A primeira história saiu na Folha terça-feira sob o título "Ladrões de bicicleta tentam roubar
carro e matam bancário na zona
sul". A segunda é do "Estado de
S.Paulo" do mesmo dia; chamava-se "Piloto leva tiro na cabeça
ao tentar evitar assalto".
Até aí, tudo bem, a não ser por
um "detalhe": nos dois casos, a
vítima era a mesma, o cidadão
João Carlos Tavares Botelho, 49.
Só não incluí uma terceira versão, publicada no "Diário de
S.Paulo", com ainda outras diferenças, para não ocupar tanto
espaço desta coluna com as narrativas.
Consultada, a Redação da Folha confirma suas informações,
baseadas em relato de policiais e
no boletim de ocorrência registrado no 27º Distrito Policial.
O "Estado" publicou uma correção ao pé de um texto em pé de
página na quarta, dizendo que
Botelho era bancário, não piloto
(também chequei o dado com a
TAM na sexta), mantendo, porém, a versão de que foi morto ao
tentar impedir um assalto.
No original, a fonte citada
-além de "testemunhas"- é
um delegado do Grupo de Operações Especiais da Polícia Civil.
Já o "DSP" ainda trazia na
quinta que a vítima era mesmo
piloto de avião; fonte inicial: o
delegado-titular do 27º DP.
Em quem acreditar
Calcula-se que cerca de um terço do conjunto de leitores da Folha ou do "Estado" leiam, também, o jornal concorrente. Seriam perto de 300 mil pessoas
-um número nada desprezível.
Aliás, foi uma delas que, terça
cedo, chamou-me a atenção para as divergências entre as versões da mesma história na Folha
e no "Estado". "Em quem devo
acreditar?", ela perguntava.
Não é a primeira vez que disparidades ocorrem entre textos
de diferentes jornais sobre certo
evento. Dentro de algum limite,
isso parece inevitável.
Na quarta-feira, por coincidência, um outro leitor apontou
diferenças entre a edição regional da Folha para o Vale do Paraíba e outros diários em reportagem sobre ocupação de fazenda por sem-terras (diferenças de
data, área, localização, número
de famílias, grafia de nomes). A
Redação admitiu dois erros na
edição de ontem.
Especialmente na cobertura
policial -que depende muito de
reconstituições e testemunhos-,
aproximar-se do real exige cruzar informações oficiais e extra-oficiais à exaustão.
Se tivesse de escolher com os
dados até agora disponíveis nesse caso, eu optaria pela versão da
Folha como a que mais provavelmente chega perto dos fatos.
E isso, por pelo menos dois motivos: a citação do boletim de
ocorrência como fonte documentada oficial (embora nem
sempre BOs sejam confiáveis) e a
tradição do jornal de assumir erros regularmente -algo que outros veículos fazem pouco e com
timidez- em seção fixa da nobre página A3.
Mesmo assim, pende no ar alguma incerteza e se reforça a
convicção de que a "vida de leitor", ainda mais de quem lê vários jornais, não é nada fácil.
Próximo Texto: O caso EJ, ainda Índice
Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br. |
Contatos telefônicos:
ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira. |
|