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OMBUDSMAN
Caminhos para a reportagem
MARCELO BERABA
Algumas fórmulas da cobertura jornalística estão
esgotadas. São repetitivas, previsíveis e nada acrescentam à
compreensão dos fatos.
Um exemplo é a cobertura da
política partidária. Ela, em geral, é chata porque dá muito destaque às fofocas de gabinetes e
manobras palacianas, valoriza
as aspas e as informações sem
fontes identificadas e segue a
agenda do mundinho político,
que raramente coincide com os
interesses dos eleitores.
É raro os jornais romperem
com essas fórmulas gastas.
Tivemos um caso ao longo da
semana e, infelizmente, não foi
na Folha, mas em um de seus
concorrentes, "O Globo". Desde
domingo, o jornal publica uma
série sobre a evolução patrimonial de 113 deputados com mandato na Assembléia Legislativa
do Rio desde 1996. Embora esse
tenha sido um período de crise
econômica e de perda de poder
aquisitivo, 80% deles ficaram
mais ricos.
Para fugir da rotina
e do lugar-comum,
os jornais precisam
de iniciativas
e de profissionais
bem preparados
Uma coisa é o senso comum
imaginar que um dos caminhos
mais fáceis no Brasil hoje para
enriquecer seja obter um mandato parlamentar. Outra é comprovar com documentação.
Durante quase quatro meses,
sete repórteres do jornal analisaram as declarações de bens que a
lei obriga os deputados a entregar ao TRE (Tribunal Regional
Eleitoral) quando se candidatam. São, portanto, documentos
oficiais e públicos. As reportagens não revelam enriquecimento ilícito, roubo ou corrupção.
Mas mostram como um cargo
público ajuda no crescimento do
patrimônio.
Esse tipo de levantamento não
é novidade. A Folha já fez isso
antes, assim como outros diários
e revistas. É do jornal uma das
iniciativas mais importantes na
área, o site Controle Público
(www.controlepublico.com.br),
organizado pelo repórter Fernando Rodrigues e que consiste
num banco de dados com mais
de 10 mil informações oficiais sobre políticos brasileiros.
O que diferencia o trabalho do
"Globo" nesse caso é a sua extensão, por abranger a totalidade
dos deputados estaduais.
Os jornais precisam escapar
das armadilhas que o noticiário
cotidiano lhes reserva e buscar
novos caminhos para a cobertura. Para isso, são necessários três
requisitos, nem sempre disponíveis: iniciativa, tempo e profissionais bem preparados.
É possível que reportagens como as do "Globo", se não forem
bem-feitas, pareçam apenas moralistas. Mas, bem documentadas, são um serviço que os jornais prestam aos seus leitores
porque os ajudam a refletir sobre
o voto. E o momento é este, com a
eleição para prefeitos e vereadores que se aproxima.
Os mortos de Benfica
Também na cobertura policial
os jornais precisam ter mais iniciativas. Raramente conseguem
fugir do noticiário descritivo de
crimes e violência, baseado apenas em fontes policiais anônimas
e manipuladoras.
Um bom exemplo de iniciativa
para romper esse cerco foi a tomada pela Folha na edição de 3
de junho, em que continuava a
acompanhar o massacre ocorrido na Casa de Custódia de Benfica, no Rio. A rebelião havia terminado com um saldo de 30
mortos.
A versão que predominou foi a
do ajuste entre duas facções criminosas, o Comando Vermelho,
que tomou o presídio durante a
rebelião, e o Terceiro Comando,
dominado e massacrado.
A reportagem da Folha conseguiu levantar informações sobre
dois dos mortos então identificados e mostrou que nem deveriam
estar naquela prisão. Um deles
fora condenado por tentativa de
furto, e o outro, um morador de
rua, por danos contra o patrimônio público. O levantamento da
Folha mostrou distorções do sistema penitenciário que não tinham sido aventadas.
Esperava que o jornal fosse dar
seqüência e explorar melhor
aquele veio novo que tinha descoberto. Conhecer os mortos e
suas histórias era um caminho
possível para fugir das versões
desencontradas. Mas não foi o
que aconteceu. O jornal simplesmente abandonou o caso.
"O Globo", não. Seus repórteres
continuaram o trabalho paciente de apuração de cada um dos
20 identificados, e o jornal publicou, 15 dias depois da Folha, a
história daqueles mortos: 17 tinham praticado crimes menores,
dois eram acusados de homicídio
e um de assalto à mão armada;
três tinham sido moradores de
rua e três tinham sido presos com
pequenas quantidades de maconha e acusados de tráfico. Pelas
fotos, todos eram negros ou mulatos. É bem possível que, na
maioria, eles tenham virado soldados do TC dentro da cadeia.
Nesse caso, vale para a Folha o
ditado do futebol: quem não faz
leva.
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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