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OMBUDSMAN
O tiro e a foto
BERNARDO AJZENBERG
Muito se escreve e se teoriza
sobre a idéia de que a fotografia, no jornalismo, não deve
ser só elemento auxiliar do texto,
uma imagem mais ou menos
bem acabada que o editor usa
para equilibrar esteticamente a
página ou, em muitos casos, simplesmente para tapar buraco.
Na prática, porém, são raros os
momentos em que as fotografias
ganham vida própria, intensidade, relevância e repercussão superiores, até mesmo, às do texto.
Pois isso aconteceu nas edições
de quinta-feira do "Agora"
-jornal editado pelo Grupo Folha- e da Folha nas reportagens sobre a morte do fotógrafo
Luis Antônio da Costa, da revista "Época", assassinado durante
alvoroço ao lado do acampamento dos sem-teto em São Bernardo do Campo (SP).
O mérito, aqui, coube ao repórter-fotográfico André Porto,
do "Agora", que, unindo instinto, técnica e faro jornalístico
num momento único, tumultuado e dramático, registrou um homem com uma arma na mão em
fuga logo após o disparo que matou Costa.
Nos dias seguintes, viu-se mais:
a sequência de fotogramas permite, na verdade, identificar
também a possibilidade de outros suspeitos, como a Folha publicou ontem.
Esta coluna, em regra, registra
queixas de leitores, aponta ou
comenta falhas dos meios de comunicação. Peço licença, excepcionalmente, para fazer uma pequena alteração, dando espaço a
um resumo de um depoimento
de André Porto, 30, com quem
conversei ao telefone na noite de
sexta-feira, sobre seu trabalho:
"Foi tudo muito instintivo, rápido, mas também tive de fazer
um raciocínio técnico: estava
com uma lente grande-angular,
que abrange uma área ampla de
visão, sabia que tinha filme e
lembrei que estava sem flash. Vi
então que podia e devia fazer o
registro sem ser notado."
"Levantei a máquina e disparei, para ter uma sequência, sem
olhar no visor. Se não fizesse ali,
naquele instante, nunca mais."
"Minhas pernas tremiam muito. Não tinha certeza absoluta de
tudo o que eu ia conseguir captar na hora. Apareceu a chance
de identificar um provável assassino. A foto diz muito mais do
que o que eu sabia no instante
em que a fiz."
"Tive uma reação de jornalista
mas também de cidadão, de produzir um testemunho valioso."
"A situação é bastante chata.
Não deu para sorrir. Sinto agora
até um pouco de vergonha de estar feliz por causa disso, mas foi
o que de melhor eu pude fazer
naquela hora."
A Folha teve o mérito, nessa cobertura, de editar na Primeira
Página a fotografia a que me referi, mas cometeu, a meu ver, um
equívoco -também relativo a
imagens.
Foi ao não publicar, nem mesmo nas páginas internas, a fotografia de Luis Antônio da Costa
sendo carregado por algumas
pessoas, divulgada, diga-se, em todos os jornais.
Para a secretária de Redação
Paula Cesarino Costa, a imagem
era "chocante" e "sem carga informativa relevante, que valesse
sua publicação".
"Que informação a foto do corpo do fotógrafo ensanguentado
acrescenta ao texto que diz que o
fotógrafo foi morto com um tiro?", indaga a jornalista.
Ela nega, por outro lado, a hipótese de que a decisão tenha derivado de alguma espécie de corporativismo pelo fato de a vítima ser um jornalista: "Faríamos
da mesma maneira se fosse um
engenheiro ou um arquiteto".
A publicação de uma foto como essa é, como sempre, polêmica -entre jornalistas e entre leitores- e envolve certo grau de
subjetividade.
Penso que essa imagem, embora forte e impactante, não veste a
camisa do sensacionalismo. Foi
tirada à distância; não se vê, nela, o rosto da vítima. Ela adiciona, por outro lado, uma informação visual capaz de enriquecer a reportagem, transmitindo
com mais nitidez ao leitor, sem
chegar a agredi-lo, toda a dramaticidade do evento e dos seus
momentos imediatamente subsequentes.
Estaria, assim, dentro do limite do publicável, em página interna, num jornal como a Folha.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
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