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Síndrome de avestruz
A estréia de uma peça teatral
em São Paulo, na semana passada, trouxe de volta à tona uma
questão delicada que já havia
produzido algum barulho três
anos atrás: a suposta existência
de um filho fruto de suposto relacionamento extraconjugal do
então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Naquela ocasião, questionada
sobre o fato de não dar nada sobre o assunto, a Folha publicou
(em 11 de abril de 2000) duas notas sequenciais na coluna Painel
explicando a sua posição.
Para o jornal, em resumo, tratava-se de rumores, sem confirmação de nenhuma das partes
nem disposição delas para levar
o caso a público, além de envolver uma criança de oito anos;
inexistindo interferência do caso
na administração pública ou reclamação de uma das partes em
relação à outra, o tema deveria
ficar na "esfera particular".
E a coluna concluía: "O jornal
pretende manter essa posição, a
menos que o material publicado
[na ocasião, pela revista "Caros
Amigos"] produza consequências políticas de relevo".
Embora reconheça que ela é
polêmica, estou de acordo com
essa posição conceitual. Ocorre
que as circunstâncias trataram
de reanimar o caso, agora, sob
outra forma, na voz fictícia do
senador Zé Otávio, personagem
principal da peça "A Flor do
Meu Bem-querer", de Juca de
Oliveira.
A frase, reproduzida no "Jornal da Tarde" de terça-feira (22),
seria a seguinte:
"Lula assumiu a filha e perdeu
a eleição. Depois ganhou porque
o brasileiro tem memória curta.
O Bush tá no poder por causa
daquela palhaçada do Clinton
com a Monica Levinsky. O próprio Fernando Henique teve um
filho fora do casamento mas escondeu e o mandou pra Espanha
com a mulher senão ele teria
perdido a eleição".
O que fazer, em termos jornalísticos?
Na sexta-feira (18), a coluna
Mônica Bergamo registrara
-num importante furo- o
constrangimento de políticos tucanos que tinham ido a uma
pré-estréia do espetáculo. Apesar
de deixar claro que o assunto era
a "vida pessoal" do ex-presidente da República, não explicitava,
porém, a menção do "senador"
ao suposto filho.
Na terça (22), enquanto o "JT"
publicava a tal frase, uma reportagem na Ilustrada, de apresentação da peça -que estrearia no
dia seguinte-, nem sequer tocava no espinhoso trecho.
Não sei se Juca de Oliveira bolou tudo de propósito, de olho na
publicidade que angariaria para
sua peça. Isso é outra questão.
O fato é que a sua repercussão
cobra do jornal, outra vez, alguma explicação para não tratar
do tema a não ser de modo tangencial, indireto, como tem feito
até agora.
Assim como concordo com o
princípio da argumentação usada em 2000, considero que, com
o comportamento atual, a Folha
fere outro de seus caros princípios: o da transparência.
Dada a segunda onda pública
do "affair", mais estrepitosa do
que a primeira, o jornal deveria,
no mínimo, justificar essa deliberada omissão novamente
(após três anos) aos seus leitores
-milhares dos quais, como parece óbvio, assistirão "A Flor do
Meu Bem-querer".
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