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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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Síndrome de avestruz

A estréia de uma peça teatral em São Paulo, na semana passada, trouxe de volta à tona uma questão delicada que já havia produzido algum barulho três anos atrás: a suposta existência de um filho fruto de suposto relacionamento extraconjugal do então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Naquela ocasião, questionada sobre o fato de não dar nada sobre o assunto, a Folha publicou (em 11 de abril de 2000) duas notas sequenciais na coluna Painel explicando a sua posição.
Para o jornal, em resumo, tratava-se de rumores, sem confirmação de nenhuma das partes nem disposição delas para levar o caso a público, além de envolver uma criança de oito anos; inexistindo interferência do caso na administração pública ou reclamação de uma das partes em relação à outra, o tema deveria ficar na "esfera particular".
E a coluna concluía: "O jornal pretende manter essa posição, a menos que o material publicado [na ocasião, pela revista "Caros Amigos"] produza consequências políticas de relevo".
Embora reconheça que ela é polêmica, estou de acordo com essa posição conceitual. Ocorre que as circunstâncias trataram de reanimar o caso, agora, sob outra forma, na voz fictícia do senador Zé Otávio, personagem principal da peça "A Flor do Meu Bem-querer", de Juca de Oliveira.
A frase, reproduzida no "Jornal da Tarde" de terça-feira (22), seria a seguinte:
"Lula assumiu a filha e perdeu a eleição. Depois ganhou porque o brasileiro tem memória curta. O Bush tá no poder por causa daquela palhaçada do Clinton com a Monica Levinsky. O próprio Fernando Henique teve um filho fora do casamento mas escondeu e o mandou pra Espanha com a mulher senão ele teria perdido a eleição".
O que fazer, em termos jornalísticos?
Na sexta-feira (18), a coluna Mônica Bergamo registrara -num importante furo- o constrangimento de políticos tucanos que tinham ido a uma pré-estréia do espetáculo. Apesar de deixar claro que o assunto era a "vida pessoal" do ex-presidente da República, não explicitava, porém, a menção do "senador" ao suposto filho.
Na terça (22), enquanto o "JT" publicava a tal frase, uma reportagem na Ilustrada, de apresentação da peça -que estrearia no dia seguinte-, nem sequer tocava no espinhoso trecho.
Não sei se Juca de Oliveira bolou tudo de propósito, de olho na publicidade que angariaria para sua peça. Isso é outra questão.
O fato é que a sua repercussão cobra do jornal, outra vez, alguma explicação para não tratar do tema a não ser de modo tangencial, indireto, como tem feito até agora.
Assim como concordo com o princípio da argumentação usada em 2000, considero que, com o comportamento atual, a Folha fere outro de seus caros princípios: o da transparência.
Dada a segunda onda pública do "affair", mais estrepitosa do que a primeira, o jornal deveria, no mínimo, justificar essa deliberada omissão novamente (após três anos) aos seus leitores -milhares dos quais, como parece óbvio, assistirão "A Flor do Meu Bem-querer".


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