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OMBUDSMAN
Tapando o sol
BERNARDO AJZENBERG
O aquecimento da disputa
eleitoral e o comportamento da imprensa em relação a ele
durante a semana obrigam a
uma retomada do assunto.
O candidato do PT lançou oficialmente seu programa de governo na terça-feira. Na quarta,
o presidenciável do PSDB reuniu-se com 15 governadores de
Estado. O do PSB acenou com
uma inflexão pró-evangélica em
sua estratégia de caça aos votos.
O principal fenômeno dos últimos dias, porém, chamou-se Ciro Gomes, do PPS.
Foi em torno de sua ascensão
nas pesquisas de intenção de voto -entre outros motivos- que
o mercado financeiro se agitou,
os chefes de campanha chacoalharam as cabeças, os empresários tiveram aumentada sua curiosidade sobre o candidato e os
jornais procuraram, cada um a
seu modo, encarar o "furacão".
O "Estado de S.Paulo", que
não esconde sua preferência por
José Serra, cunhou em manchete, na sexta-feira, o termo sintético que faltava para expressar a
situação: "Dólar rompe a barreira dos R$ 3 com ajuda do efeito
Ciro".
O "efeito Ciro" se expressara,
segundo o jornal, nos rumores
que correram as casas de câmbio
e as salas de operadores do mercado sobre a pesquisa Ibope que
seria divulgada na noite de
quinta-feira no "Jornal Nacional" com resultado positivo,
mais uma vez, para o candidato
da Frente Trabalhista.
Nessa mesma sexta, logo abaixo da manchete, o "Estado" cravava o título "Ciro vence Lula no
segundo turno, mostra Ibope".
A pesquisa também recebeu
um título forte na capa do jornal
"O Globo" ("Ibope: Ciro venceria
Lula no segundo turno") e no
"Jornal do Brasil" ("Ciro vence
Lula no 2º turno").
Esse levantamento, para rememorar, aponta uma continuidade do crescimento de Ciro, um
inédito cenário no qual ele bate
Lula num eventual 2º turno e
uma nova queda de Serra, que o
coloca em empate técnico, no
terceiro lugar, com Anthony Garotinho.
Pois bem: o único dos chamados grandes jornais do país que
não publicou na capa os dados
dessa pesquisa foi a Folha, repetindo praticamente a posição
adotada na semana retrasada,
quando Ciro ultrapassou Serra
pela primeira vez -fato que
abordei no último domingo.
Mudança
Até as eleições de 2000, o jornal
se limitava a publicar as pesquisas de seu instituto, o Datafolha.
Desta vez, porém, decidiu noticiar, também, outros levantamentos, com ênfase para os do
Ibope e do Vox Populi.
Há pelo menos um motivo
simples para a mudança: reduziu-se drasticamente a quantidade de levantamentos do Datafolha. Para dar uma idéia, só em
julho de 98 o instituto produzira
três pesquisas nacionais; neste
ano, a última, já defasada
-Serra com 20%, Ciro com
18%-, saiu na Folha dia 7 de
julho.
A pergunta é: se o jornal decidiu publicar outras pesquisas
-e deve fazê-lo inclusive criticamente, quando for preciso, como ocorreu com a reportagem
de terça-feira passada sobre métodos na enquete do Vox Populi-, por que não tratá-las devidamente, com o destaque que
merecem?
No caso em pauta (ascensão de
Ciro), formulo algumas hipóteses:
a) Acima do interesse do leitor
estaria, ainda, o interesse corporativo da empresa, que é dona
do Datafolha;
b) Os outros levantamentos
não são confiáveis;
c) A subida de Ciro e a queda
de Serra não são relevantes a
ponto de seus dados figurarem
na capa do jornal;
d) A Folha "encolheu" os resultados por causa de uma suposta
opção política anti-Ciro em sua
linha editorial.
É fácil descartar os itens "b" e
"c": se os outros institutos não tivessem um mínimo de credibilidade, nada sobre seus números
deveria ser publicado, e os colunistas da Folha, bem como as reportagens do jornal, não deveriam basear seus textos, como fazem, nesses dados (já que os do
Datafolha, infelizmente, estão
amanhecidos).
Sobre a relevância noticiosa,
basta ver o que ocorre no mercado, nos gabinetes das empresas e
nos bastidores das campanhas
para detectá-la.
Quanto aos itens "a" ("defesa"
do Datafolha) e "d" (postura anti-Ciro), sendo curto e grosso:
simplesmente não batem com a
tradição do jornal; isso, para não
dizer que o histórico de credibilidade do Datafolha claramente
dispensa tal "proteção".
Ou seja, de duas uma: ou a Folha decidiu, nas últimas edições,
diante do "furacão Ciro", deixar
de lado seus princípios de privilégio absoluto para a notícia, o
pluralismo e a crítica, ou tomou
decisões editoriais ao sabor de
impulsos jornalisticamente menores e, nesse sentido, insustentáveis ante seus leitores.
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de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
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