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OMBUDSMAN
A fraude além dos fatos
Encerrado o inquérito policial, na quinta-feira, a farsa
da "entrevista" com "membros"
do PCC no "Domingo Legal" de
7/9 consolidou-se como fruto podre de um ambiente selvagem
onde a disputa por audiência
(leia-se faturamento) parece tudo justificar em termos éticos,
onde restos de jornalismo se misturam com entretenimento e,
pior, submetem-se a ele, deixam-se sufocar por suas regras próprias, nas quais inexiste diferença entre realidade e ficção.
Qual é a função social da TV?
Como foi possível chegar a tamanha desfaçatez? Até onde vai
a reponsabilidade do apresentador (Gugu)? E a da emissora
(SBT)? Qual é o limite entre notícia e diversão?
Cabe ou não cabe aplaudir a
suspensão da edição do programa do dia 21, decidida como forma de punição em liminar judicial? O que tende a surgir agora?
As interrogações suscitadas pelo caso são várias, e a maioria só
terá solução mais tarde, na continuidade do debate público, no
desenrolar do imbróglio em corredores da polícia, do Judiciário,
da Esplanada (Comunicações e
Justiça) e do SBT.
Como ombudsman, porém,
procuro responder, aqui, a uma
outra pergunta: considerando o
papel do jornal na cobertura de
um evento tão grave, complexo e
polêmico, o leitor da Folha tem
sido bem servido, não só para saber o que se passa, mas para entendê-lo e, a partir daí, formar
uma opinião?
Relendo o que foi publicado
desde 10/9, a resposta, na minha
avaliação, é sim... e não.
Na superfície
A Folha acompanhou de perto
os fatos (denúncias da fraude
por parte de concorrentes da TV,
iniciativas do Ministério Público
e da polícia, as movimentações
públicas do apresentador e do
SBT, de seus subordinados encarregados da "matéria", dos
"atores" Alfa e Beta, a decisão
judicial de suspender o programa do dia 21, os prejuízos pecuniários do SBT e de Gugu, o dia-a-dia do inquérito policial).
Colunistas de diferentes cadernos "entraram" no tema, a
maior parte abordando o "caldo
de cultura" social e cultural da
farsa e, num segundo momento,
a decisão polêmica da Justiça
(censura prévia ou sanção econômica exemplar?).
Não vi, também, desprezo pelo
"outro lado" (o fato é que o SBT
e Gugu impuseram a si próprios
e aos demais a lei do silêncio).
Ao menos até a edição de sexta-feira, porém, a Folha deixou a
desejar em alguns pontos essenciais que ajudam a constituir a
particularidade do jornalismo
impresso: a faculdade de propiciar, estimular e ampliar a reflexão do leitor, para além das reações emocionais imediatas.
A Constituição tem artigos específicos sobre comunicação (liberdade de expressão, responsabilidade social). O Código Brasileiro de Telecomunicações prevê
punições (multa, suspensão, cassação) às instituições e sujeitos
que o desrespeitem. Existem a
Lei de Imprensa, o Código Penal.
Você, leitor, consegue explicar,
a partir do que se publicou, como tais textos se relacionam com
o caso Gugu-PCC?
Do quê, afinal, são acusados,
formalmente, os que promoveram a fraude? E a emissora?
Quais as punições cabíveis? Como se estrutura a hierarquia no
SBT e no "Domingo Legal" para
esse efeito?
Em quais artigos se baseou a
Justiça para suspender, com liminar, o programa do dia 21 (é a
primeira vez que uma decisão
desse tipo é tomada desde 1988)?
O que dizem esses preceitos?
Como é o esquema de vigilância do Ministério da Justiça sobre os programas de TV? Ele tem
funcionado na prática?
Em que pé se encontra a discussão sobre a implementação
de um código de ética ou de uma
auto-regulamentação (hoje inexistentes) para as emissoras de
TV? O que prevêem as leis de outros países sobre o assunto?
Viés e munição
Nesse terreno -o da contextualização, aprofundamento,
fundamentação e solidez do noticiário-, a Folha não foi bem.
Não só pela falta de precisão,
de informação ampliada e de didatismo, mas também por apresentar, nas declarações e opiniões publicadas no noticiário,
certo viés contrário à decisão que
suspendeu o programa -mesma posição assumida, aliás, pelo
jornal em editorial de 23/9, defendendo punição, sim, mas após
julgamento, conforme a lei, e caracterizando a suspensão como
censura prévia, inconstitucional.
É a minha visão pessoal, até,
mas há muita gente (indivíduos
e instituições) competente, democrática e de boa-fé que pensa
diferente (a suspensão teria sido
uma sanção, não censura) e que
não foi devidamente contemplada nas reportagens (com entrevistas, por exemplo).
O único artigo técnico (em termos jurídicos), o do colunista
Walter Ceneviva, em 21/9, antecipava a linha do editorial. Na
edição seguinte, ao reunir declarações de outros especialistas, a
reportagem o fez de modo breve,
superficial, amontoando frases
pouco consistentes num pequeno
texto chamado "Especialistas divergem sobre decisão do TRF".
Registre-se a seção "Tendências/Debates" de ontem, com artigos contra e a favor da liminar.
O jornal acertará mais, creio,
se rearranjar seu enfoque noticioso, municiando melhor os leitores -além dos fatos do dia-a-dia- para que eles, como cidadãos, possam atuar de modo
consistente numa discussão difícil que apenas começou.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
ou pelo fax (011) 224-3895.
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ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira. |
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