|
Próximo Texto | Índice
OMBUDSMAN
Antes do ringue
BERNARDO AJZENBERG
Os lutadores não se trocaram. Nem sequer mediram
o peso. Experimentam luvas,
conversam com auxiliares, buscam concentração, estudam golpes, cada qual no seu vestiário.
Troca de olhares agressivos, já
fizeram; e enviaram, por terceiros, mensagens desafiadoras.
Mas a hora do confronto aberto
ainda não chegou -e ninguém
sabe ao certo, inclusive entre os
organizadores, se ele, de fato, vai
acontecer.
Lá dentro, porém, no ginásio,
um grupo de pessoas já acende
as luzes, limpa o chão do ringue
e suas cordas, aciona microfones
e começa a chamar os atletas:
"Vamos lá, pessoal. O povo
tem pressa. Está tudo pronto.
Definam logo esse troço!".
Assim pode ser retratada a
atuação, por um lado, dos pré-candidatos do PSDB à Presidência da República e, por outro, da
maior parte da imprensa.
Há visível ansiedade, nos jornais, em especial na Folha, pela
definição da candidatura palaciana. E essa ansiedade produziu, nos últimos dias, ao menos
três problemas.
O "público"
Desde o último dia 16, não
houve uma única edição em que
o assunto -Tasso Jereissati versus José Serra, o ministro Paulo
Renato correndo por fora, destrambelhado pela greve nas universidades federais- não ocupasse no mínimo uma "cabeça
de página" (o título principal).
Uma semana antes do evento
promovido pela família Covas
em São Paulo, segunda-feira,
para "lançar" o governador cearense, já os holofotes se concentravam nisso.
A própria Folha, em editorial
do dia 19, não escondia sua posição: "O público tem o direito de
ter acesso ao que os governistas
têm a dizer sobre esse e outros
grandes temas que estarão em
jogo no ano que vem".
Mas quem é "o público", aqui?
Até o momento, qualquer pesquisa não deixará de mostrar
que a população não está ligada,
ainda, na sucessão presidencial.
Na verdade, há uma necessidade dos "agentes econômicos e
políticos", incluída a imprensa,
de se situar o quanto antes. Eis o
"público".
Isso justificaria o exagero com
que o jornal abordou o embate
em gestação, ainda mais se considerando o fato de que os pré-candidatos tucanos vêm tendo,
até o momento, péssimo desempenho nas pesquisas eleitorais?
Da perspectiva dos tais "agentes", talvez sim. Há mesmo pressa. Mas certamente não para a
grande maioria dos leitores.
O segundo problema dessa excessiva dosagem de PSDB/Planalto está em que ela, obrigatoriamente, fez o jornal subestimar assuntos relevantes.
A edição de quinta (25) foi
exemplar. Nesse dia, a Folha
deixou de dar pelo menos três
notícias de peso: 1) o bloqueio,
pelo Tribunal de Contas da
União, de bens da empreiteira
OAS no caso da construção do
aeroporto de Salvador (BA); 2) a
autorização, pela Justiça, da
quebra do sigilo telefônico do lobista Alexandre Paes dos Santos;
e 3) a decisão de bloqueio da
aposentadoria do juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto.
Realidade e "plantação"
O editor de Brasil, Fernando de
Barros e Silva, avalia que, "de todas as incógnitas do processo sucessório, a maior neste momento
é a definição do nome que será
apoiado pelo governo e o futuro
da aliança que sustenta FHC".
"Esse imbróglio, que vinha
sendo cozinhado em banho-maria, esquentou a partir da movimentação de Tasso, que, na prática, pôs sua candidatura nas
ruas para testar sua viabilidade", explica. "O contra-ataque
de Serra, candidato não-declarado, foi imediato."
O editor conclui: "Do desfecho
dessa guerra velada dentro do
governismo depende o futuro da
aliança e até mesmo o destino
das candidaturas Itamar e Ciro,
já que a do PT parece consolidada. É natural, portanto, que os
esforços do jornal se concentrem
nessa disputa, procurando elucidar os lances e bastidores de
uma trama intrincada".
Tem lógica e faz sentido. Mas
justamente aí reside o terceiro
problema: o jornal não tem conseguido explicar à altura, proporcionalmente ao espaço que
reserva ao assunto, o que de fato
se prepara nos vestiários.
Noticiam-se movimentações à
exaustão, diariamente, como se
a Folha fosse um palanque à disposição dos tucanos, mas quantos leitores já entendem qual o
jogo de FHC (o que é verdade e o
que é mera "plantação" de notícia por parte do Planalto quanto
a suas preferências)?
Quantos leitores fazem idéia
de quem realmente apóia quem
nesse embate?
Que projeto Tasso representa?
E Serra? E Paulo Renato?
Que alianças partidárias, com
esses nomes à frente, seriam capazes de derrotar Lula ou, em hipótese mais remota, Ciro Gomes
ou Itamar Franco?
A coluna Mônica Bergamo informou segunda que uma pesquisa que a mídia vinha divulgando com números favoráveis
a Serra em relação a Tasso sem
lhe definir a origem fora na realidade encomenda dos "serristas". O jornal foi atrás? Não.
Com páginas e páginas sobre o
assunto, expondo sua própria
ansiedade, até o momento a Folha ficou na superfície, apenas
estimulando, lustrando o ringue,
chamando a que se o adentre.
Não explicou, até agora, o que
se passa nos vestiários, no aquecimento, na composição do sangue dos lutadores. Isso sim, em
última instância, teria sido capaz de justificar tanto papel e,
também, diferenciar o jornal de
seus concorrentes.
Próximo Texto: A bactéria que não houve Índice
Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br. |
Contatos telefônicos:
ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira. |
|