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OMBUDSMAN
Ecos de 64
MARCELO BERABA
O jornalista e romancista
Carlos Heitor Cony, colunista da Folha e membro de seu
Conselho Editorial, está na berlinda desde junho, quando foi
anunciado que ele tem direito a
pensão especial e a indenização
por ter sido perseguido pelo regime militar (1964-1985).
Não há dúvida de que Cony foi
perseguido. Sua casa foi invadida e seus familiares ameaçados
em 1964. Ele foi obrigado a deixar o jornal carioca "Correio da
Manhã" em 1965 e foi impedido
de trabalhar na TV Rio. Refugiou-se durante algum tempo
em pseudônimos, teve de deixar
o Brasil e foi preso seis vezes.
A lei 10.559, de 13/11/02, garante a Cony e a todos os perseguidos o direito a uma reparação
pelos prejuízos físicos e morais
que sofreram durante a ditadura.
Com base nos critérios definidos em lei, a Primeira Câmara
da Comissão de Anistia julgou
que Cony tem direito a uma pensão especial de R$ 23.187,90 por
mês (cálculo de quanto ganharia
hoje o diretor de Redação de um
jornal do porte do "Correio da
Manhã"), limitada ao teto de R$
19.115,19 do funcionalismo público federal, e a uma indenização de R$ 1,4 milhão correspondente ao período de outubro de
1998 a junho de 2004, data do
julgamento.
Todas essas informações foram noticiadas pela Folha nos
dias 22 de junho e 20 de outubro.
Os valores estipulados pela Comissão de Anistia com base nos
artigos da lei contrastam com as
indenizações aprovadas para os
familiares dos mortos pelo regime militar, que recebem, de
acordo com outra legislação, um
valor máximo de R$ 150 mil.
Essa diferença entre o que pode receber um profissional que
sobreviveu à ditadura e outro
que morreu, e os altos valores estipulados, provocaram reações
fortes e indignação na imprensa.
No caso da Folha, muitos leitores
questionam o colunista por ter
reivindicado o direito e aceitado
a indenização, e o jornal, por
não tê-lo censurado.
Cartas como esta: "Fiquei perplexo ao saber da indenização
dada ao jornalista e ainda mais
perplexo com a omissão da Folha e de seus colunistas". Ou esta:
"A meu ver, se ele combateu o regime de 64, como jornalista, assumiu, espontaneamente, os riscos de verberar contra a ditadura, sabendo que poderia ser demitido". Ainda: "Quero saber
quando a Folha vai se posicionar
quanto a isso, ou sente-se desconfortável porque o top da lista
é seu articulista?".
Não pretendo fazer um julgamento. Não é função do ombudsman nem me sinto em condições de fazê-lo. Apenas gostaria de tecer algumas observações
para reflexão.
"Injustiça intolerável"
1 - Cony e todos os perseguidos
têm direito a se habilitar à reparação pelos danos que julgam ter
sofrido. Só eles sabem os seus
motivos.
2 - Não há qualquer fraude ou
deslize no encaminhamento de
sua reivindicação. Ele trilhou todos os trâmites e cumpriu todas
as exigências da lei. Não há nenhuma evidência de que tenha
tido qualquer privilégio no julgamento de sua causa e nos termos da decisão da Comissão de
Anistia. Não foi ele quem estipulou os valores indenizatórios,
mas a comissão, baseada em lei
aprovada pelo Congresso por esses mesmos partidos e parlamentares que agora se mostram surpresos e indignados.
A Folha foi titubeante no caso das indenizações milionárias: noticiou, mas não se posicionou nem deu espaço para o debate
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3 - É evidente que a execução
da lei está provocando, pelas carências do país e pelas disparidades entre as indenizações, o que
Janio de Freitas chamou de "injustiça intolerável" (Folha, 23 de
julho, pág. A5, "As indenizações"). Um exemplo: a viúva do
operário Manuel Fiel Filho, torturado e assassinado em 1976,
recebe uma pensão de R$ 900,00.
É um escândalo. Mas não considero que o problema esteja no
princípio da lei, que é o da reparação, mas na quantificação estabelecida.
4 - Não há dúvida, portanto,
de que deve haver uma revisão
dos critérios e interpretações que
regem a aplicação da lei para
que desapareçam as disparidades, que soam como injustiças.
5 - Não considero, no entanto,
que o jornalista -e outros tantos jornalistas e outros cidadãos
que se beneficiaram da mesma
lei- tenha cometido desvio ético. Desvio ético e crime cometeram os jornalistas do Rio, em
1995, que fraudaram documentos para se beneficiar indevidamente de pensões especiais.
Aquele foi um escândalo que nos
envergonha. Agora não estamos
diante de uma fraude, ou de um
golpe de esperteza, mas de distorções que devem ser corrigidas.
Muitos acham que não deveria
haver indenização para os que
lutaram contra o regime militar
e sofreram as conseqüências dessa luta. Argumentam que era
uma luta por ideais e que previa
riscos. Admiro quem pensa assim, mas não acho que os que
pensam diferentemente devam
ser execrados.
6 - O comportamento da Folha
foi titubeante. Noticiou, como
era sua obrigação, a aprovação
da indenização concedida a
Cony, não omitiu que o jornalista pertence ao seu Conselho Editorial, mas evitou a discussão
provocada pelas distorções e disparidades entre as indenizações.
Um ou outro colunista tratou do
problema sem citar o caso Cony,
e o jornal não fez nenhum editorial a respeito, não se pronunciou nem abriu a discussão em
sua página de debates. Vaguinaldo Marinheiro, secretário de
Redação interino, assim justificou a posição do jornal: "A Folha considera que esse é um assunto da pessoa física, Carlos
Heitor Cony, com o Estado".
Erros crassos
Neste momento, a discussão
sobre as aposentadorias fugiu da
busca de uma solução para o
problema, que seria a revisão da
lei, e se alimenta do julgamento
de Cony. Isso é comum no jornalismo. Ele deveria ter se habilitado ou não à Lei da Anistia? Habilitado, deveria abrir mão ou
não da indenização milionária?
Ele merece ou não merece a reparação? Ele precisa ou não precisa do dinheiro?
Na minha opinião, dois erros
graves estão sendo perpetrados:
a manutenção, por parte do governo e do Legislativo, dos critérios falhos de quantificação das
reparações e a personificação da
discussão na figura de Carlos
Heitor Cony. É o caminho mais
fácil, mas certamente não é o
mais eficaz nem o mais honesto.
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Marcelo Beraba/ombudsman,
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