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ENTREVISTA
"Quem são essas pessoas?"
O padre Júlio Lancellotti é o
responsável pela Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de
São Paulo.
Ombudsman - Na sua opinião,
os jornais de São Paulo fizeram
uma boa cobertura dos assassinatos ocorridos no centro?
Júlio Lancellotti - Uma das coisas que a gente tem pedido para
imprensa, mas parece que o
pessoal não ouve, é não chamar
de mendigo. É um pedido deles,
que os chamem de pessoas em
situações de rua, moradores de
rua, povo da rua. Quanto mais a
gente pede para não chamar de
mendigo, mais o pessoal chama.
Ombudsman - O senhor acha
que isso altera alguma coisa?
Lancellotti - Altera na formação da opinião pública. Qual o
conceito de mendicância? Ele
tem um certo sentido pejorativo. Entre eles, existem pessoas
que vivem da mendicância.
Agora, por que continuam na
mendicância? Esse fenômeno, o
drama humano, acaba ofuscado. Quem é essa pessoa? Por que
tem esse comportamento?
Nós temos trabalhado muito
com o conceito de cidadania.
Seria um avanço para um jornal
do porte da Folha ajudar a opinião pública a perceber que a
mendicância não é uma condição social. Há pessoas na rua
que até pedem, mas têm as que
pegam latinha, que trabalham
com papelão, que fazem outras
coisas. Na verdade, o termo
mendicância não mostra a vulnerabilidade social.
Ombudsman - O senhor viu outros problemas na cobertura?
Lancellotti - Acredito que essas
coberturas poderiam ajudar a
perceber mais quem são essas
pessoas, por que esse é um fenômeno que cresce e traz esse tipo
de resultado para a sociedade.
Por que a sociedade e o poder
público estão tendo tanta dificuldade de lidar com isso?
Sinto que a imprensa, e a Folha também, fica muito mais interessada na briga política, nas
acusações do município contra
o Estado, e vice-versa, do que
em perceber como a sociedade
pode mudar de visão e tratar esse assunto de uma maneira mais
adequada.
Ombudsman - Em casos como
esse, o Estado e o município têm
responsabilidades, e os jornais
tem de apontá-las, não?
Lancellotti - Tem sim. Mas não
adianta simplesmente apontar
responsabilidades através de
um conflito, porque desfoca.
Ombudsman - O senhor acha
que os jornais não aprofundaram
a discussão?
Lancellotti - Há um ensaio de
mergulho no problema, mas
não há um aprofundamento. As
coberturas em geral, não só a da
Folha, ficaram mais na questão
policial, política e eleitoral e não
se aprofundaram no fenômeno
social que está por trás dessa
questão toda e na compreensão
desses personagens. Nós não
queremos só albergues. Precisamos encontrar saídas. O grande
desafio que se coloca hoje é o
que fazer com os mais vulneráveis que acabam ficando nas
ruas.
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