São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2004

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ENTREVISTA

"Quem são essas pessoas?"

O padre Júlio Lancellotti é o responsável pela Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo.
 

Ombudsman - Na sua opinião, os jornais de São Paulo fizeram uma boa cobertura dos assassinatos ocorridos no centro?
Júlio Lancellotti -
Uma das coisas que a gente tem pedido para imprensa, mas parece que o pessoal não ouve, é não chamar de mendigo. É um pedido deles, que os chamem de pessoas em situações de rua, moradores de rua, povo da rua. Quanto mais a gente pede para não chamar de mendigo, mais o pessoal chama.

Ombudsman - O senhor acha que isso altera alguma coisa?
Lancellotti -
Altera na formação da opinião pública. Qual o conceito de mendicância? Ele tem um certo sentido pejorativo. Entre eles, existem pessoas que vivem da mendicância. Agora, por que continuam na mendicância? Esse fenômeno, o drama humano, acaba ofuscado. Quem é essa pessoa? Por que tem esse comportamento?
Nós temos trabalhado muito com o conceito de cidadania. Seria um avanço para um jornal do porte da Folha ajudar a opinião pública a perceber que a mendicância não é uma condição social. Há pessoas na rua que até pedem, mas têm as que pegam latinha, que trabalham com papelão, que fazem outras coisas. Na verdade, o termo mendicância não mostra a vulnerabilidade social.

Ombudsman - O senhor viu outros problemas na cobertura?
Lancellotti -
Acredito que essas coberturas poderiam ajudar a perceber mais quem são essas pessoas, por que esse é um fenômeno que cresce e traz esse tipo de resultado para a sociedade. Por que a sociedade e o poder público estão tendo tanta dificuldade de lidar com isso?
Sinto que a imprensa, e a Folha também, fica muito mais interessada na briga política, nas acusações do município contra o Estado, e vice-versa, do que em perceber como a sociedade pode mudar de visão e tratar esse assunto de uma maneira mais adequada.

Ombudsman - Em casos como esse, o Estado e o município têm responsabilidades, e os jornais tem de apontá-las, não?
Lancellotti -
Tem sim. Mas não adianta simplesmente apontar responsabilidades através de um conflito, porque desfoca.

Ombudsman - O senhor acha que os jornais não aprofundaram a discussão?
Lancellotti -
Há um ensaio de mergulho no problema, mas não há um aprofundamento. As coberturas em geral, não só a da Folha, ficaram mais na questão policial, política e eleitoral e não se aprofundaram no fenômeno social que está por trás dessa questão toda e na compreensão desses personagens. Nós não queremos só albergues. Precisamos encontrar saídas. O grande desafio que se coloca hoje é o que fazer com os mais vulneráveis que acabam ficando nas ruas.


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