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OMBUDSMAN
Rápido no gatilho
BERNARDO AJZENBERG
Na quarta-feira, a Folha
publicou a seguinte manchete na Primeira Página: "Real
fecha abaixo do peso argentino".
A alta do dólar, no dia anterior, batera novo recorde, com a
moeda americana valendo R$
3,78. No mesmo dia, em Buenos
Aires, cada dólar valia 3,70 pesos
-daí a formulação do título.
Aparentemente, este apenas
registrava o cruzamento de dois
dados objetivos. Na página seguinte, porém, o editorial "Turbulência" advertia:
"O fato de que ontem o valor
do real, medido em dólares, se
tornou inferior ao do peso argentino pode dar a falsa impressão de que a economia brasileira
está mais debilitada que a argentina. Mas basta uma comparação para desfazer esse equívoco: em 2002 a alta do dólar sobre
o real é de 63%; nesse mesmo período, a moeda americana... se
valorizou 270% sobre a argentina".
O enunciado da manchete
também se fragilizava à luz de
uma reportagem em Dinheiro,
segundo a qual "o que tem que
ser considerado é o valor real da
moeda. Ou seja, seu poder de
compra".
Ela terminava assim:
"Para afirmar que uma moeda
vale menos que outra, os economistas comparam diversos produtos e taxas de câmbio de períodos mais longos".
Em outras palavras, apesar de
apenas constatar uma relação
numérica abstrata, a manchete
comparava coisas na realidade
incomparáveis, como banana
com maçã. E induzia o leitor a
achar que a economia brasileira
chegou a uma situação ainda
pior do que a da Argentina.
Para complicar, o texto da
chamada, sob a manchete, nada
dizia a esse respeito, não se preocupava em relativizar a "licença
jornalística" do título.
Tudo isso seria menos grave,
claro, se não se tratasse de uma
manchete do jornal de maior circulação no país. No atual momento, delicado economicamente, à véspera de uma eleição presidencial -e com a "fama" nada edificante da situação do país
vizinho-, haja alarmismo.
Irritado com o jornal por causa
disso, um leitor que é operador
no mercado de capitais me disse
ao telefone que, sendo "tão elementar" o equívoco a que a
manchete induz, ele não conseguia acreditar que ela fosse fruto
de "acidente ou barbeiragem".
Para ele, com esse título "terrorista" em relação à situação do
Brasil, a Folha contribuía para
fragilizar o governo (que seria o
maior responsável pelo "caos")
e, por tabela, favorecer a candidatura de Lula (PT) ao Planalto.
Quando ponderei que, dentro,
editorial e reportagem de certo
modo atenuavam o alarmismo,
o leitor foi rápido no gatilho:
"E daí? É como você me acertar
um tiro e depois pedir desculpas.
Nem você deixou de me alvejar
nem eu deixei de ficar ferido".
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
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