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OMBUDSMAN
Caixa de surpresas
BERNARDO AJZENBERG
Nas últimas duas semanas,
notícias importantes de economia pegaram analistas, consultores e jornalistas de surpresa.
A maioria apostava que o Banco Central abaixaria no máximo
em um ponto percentual a taxa
básica de juros (Selic). Na quarta-feira 19, foi anunciada uma
"ousada" redução de 19% para
17,5%, bem superior à esperada.
Nessa quinta (27), os jornais
noticiaram um "decepcionante"
crescimento de apenas 0,4% do
PIB (Produto Interno Bruto) no
terceiro trimestre, quando a expectativa era de algo até 2,4%.
Surpresas vieram também com
dados de desemprego, renda e
inflação (veja exemplos ao lado).
Desconte-se a dificuldade natural de toda previsão, ainda
mais numa economia cambaleante como a brasileira. Desconte-se, também, o fato de estarmos, em tese, numa fase de transição, sob um novo governo.
O fato é que consultores e analistas erraram, e bastante, em
suas projeções, particularmente
no caso do PIB, como mostrou
reportagem na Folha de quinta.
Tal situação deveria levar a
mídia, acredito, a refletir sobre
como é gerada a produção de seu
noticiário econômico.
Repórteres "passam apertado"
na mão da polícia quando cobrem crimes. Comem da mão de
procuradores, frequentemente,
ao revelar escândalos políticos.
Dependem, excessivamente, de
produtores e do mercado de entretenimento se o assunto é arte.
Por que na economia haveria
de ser muito diferente?
Com a profissionalização das
consultorias nos últimos anos
-emitem diariamente boletins,
análises e previsões sobre temas
variados-, a pauta dos jornais
tem, cada vez mais, uma relação
de dependência com elas.
Nada contra o seu trabalho.
Fazem uma pressão legítima.
Tocam seu ofício.
A questão que merece reflexão
é como a mídia absorve essa produção e a repassa ao leitor.
Ao abordar a pauta no livro
"Elementos de Jornalismo Econômico", o jornalista Sidnei Basile comenta que "uma das formas insidiosas de ceder à burocracia é a de se deixar pautar pelos outros. O impulso de ceder
diante disso é muito grande, porque todos os emissores de informação que giram em torno da
imprensa econômica estão continuamente agindo para obter a
assimilação, pelo jornalista e pelo veículo que ele representa, dos
pontos de vista que esses emissores desejam, e não necessariamente a verdade dos fatos".
Para o editor de Dinheiro da
Folha, Marcio Aith, "mudanças
de metodologia e avaliações
equivocadas sobre o comportamento de variáveis ou de setores
produzem facilmente erros em
previsões", inclusive de instituições oficiais. "Nesse tema, o jornalismo econômico é, por natureza, vulnerável a erros", diz.
Sobre o "oligopólio de fontes", o
editor lembra que, ante o assédio
iniciado nos anos 90 pela crescente comunidade de analistas
pagos por instituições financeiras ou de consultorias criadas
por profissionais egressos do
mercado financeiro, o chamado
setor produtivo se desarticulou e
perdeu a capacidade de expor
sua opinião, enquanto o jornalismo econômico não foi suficientemente ágil e pró-ativo para divulgar visões alternativas, levar
equilíbrio a suas análises.
Aith pondera que a Folha se esforçou para dar espaço aos pensamentos acadêmico e empresarial, enquanto entidades do setor
industrial contrataram analistas
e se aparelharam "para se contrapor à opinião dos bancos".
O caderno Dinheiro, diz ele,
tem ouvido com frequência analistas das entidades industriais e
professores universitários. O debate, hoje, na sua opinião, está
mais equilibrado.
Apesar disso, segundo o editor,
as instituições financeiras ou
consultorias ligadas a elas ainda
produzem volume de análises
muito maior que qualquer outro
setor da economia e o debate
econômico no Brasil ainda é travado por poucos personagens.
Outro problema apontado por
Aith: ao elevar seu poder de influir no debate, a indústria obscurece setores mais desfavorecidos do que ela na economia.
"Sem entidades poderosas, o
setor de serviços e a Construção
Civil, por exemplo, empregam
muito mais, mas foram especialmente prejudicados por alterações tributárias ou modelos de financiamento, voltados às montadoras e às exportações. Debates sobre política industrial ganham manchetes como se indústria fosse o único setor da economia", conclui Aith.
Os erros lembrados no início
da coluna não são, obrigatoriamente, atestado de incompetência para analistas e consultores.
Acredito, no entanto, que, ao
lado das distorções apontadas
pelo editor, devem servir como
sinal amarelo para os jornalistas, inclusive da Folha, no sentido de refletirem se não estão publicando previsões demais, alimentando "bolsas de apostas"
em excesso, com informações interessadas que têm consequências diretas, em termos de decisões práticas, no bolso do leitor.
Não é, como se sabe, uma pequena responsabilidade.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
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