São Paulo, domingo, 01 de dezembro de 2002

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A PRIMEIRA CRISE

Ironicamente, o governador de Minas Gerais, Itamar Franco, protagonista de uma das primeiras crises políticas do segundo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, precipita, agora, aquela que pode ser chamada de a primeira crise do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Na sexta-feira, em nota ao mesmo tempo ríspida e sarcástica, o governador criticou o Partido dos Trabalhadores por supostamente tratá-lo como "adversário".
No centro da polêmica está o suposto não-cumprimento de um acordo entre Itamar Franco e o presidente Fernando Henrique Cardoso que garantiria o repasse de uma verba de R$ 1,2 bilhão da União a Minas Gerais. O valor, na argumentação do governador, seria providencial para o pagamento do 13º salário de servidores e viria como uma contrapartida da União por obras de manutenção em estradas federais que teriam sido custeadas pelo governo mineiro.
Atribuindo parcela da responsabilidade pelo descumprimento do suposto acordo ao coordenador da equipe de transição do PT, Antônio Palocci Filho, Itamar Franco complementou a sua nota: "O que nos resta perguntar é quem é afinal, hoje, o presidente da República: o ex-prefeito de Ribeirão Preto ou o professor Fernando Henrique?" O caso está repleto de exemplos de como o cálculo meramente eleitoral pode revelar-se pernicioso para os que, após o pleito, adquirem (ou permanecem com) responsabilidade administrativa.
Tudo começou com acenos, que partiram tanto do então candidato Lula quanto do próprio FHC, de que haveria alguma ajuda financeira a Minas Gerais. O tema interessava diretamente ao candidato do PSDB ao Palácio da Liberdade, deputado Aécio Neves, que tratava de garantir o apoio de Itamar Franco à sua candidatura e de conquistar para o Estado melhores condições de governo no difícil ano de 2003. Cálculo eleitoral semelhante levou Lula a aproximar-se de Itamar Franco -e, de certo modo, também de Aécio- e a defender, por diversas vezes na campanha, a renegociação de dívidas estaduais com a União.
Passada a eleição, o efeito colateral daqueles acenos e daquelas promessas de campanha começa a aflorar. O PT "descobriu" a incompatibilidade entre o cumprimento de alguns de seus compromissos de campanha e a manutenção de um arrocho fiscal sem o qual estará ameaçada a relação do futuro governo petista com o FMI -fundamental para a difícil transição do ano que vem.
Por sua vez, o gesto algo súbito de FHC de reaproximar-se de Itamar Franco e de acenar com repasse de verbas para Minas não soa bem. Afinal, é ingenuidade, para dizer o menos, conceber que haja um repasse extraordinário como esse para Minas sem que outros Estados pleiteiem o mesmo tratamento. Tampouco parece politicamente nobre FHC prometer dispêndios que podem comprometer seriamente a condução da política fiscal do seu sucessor.
Enfim, caiu o figurino "paz, amor e dinheiro para todos" da fase eleitoral, fato rapidamente acusado pelo estilo peculiarmente histriônico de fazer política de Itamar Franco.


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