São Paulo, domingo, 01 de dezembro de 2002

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COBAIAS QUASE HUMANAS

O polêmico médico italiano Severino Antinori anunciou na semana passada que, em janeiro, uma mulher deverá dar à luz um clone humano. Dias depois, a empresa Clonaid, ligada à seita religiosa dos raelianos, afirmou que implantou cinco embriões humanos clonados em mulheres. O primeiro deve nascer agora em dezembro.
Esse é o tipo de experimento que conta com a reprovação quase consensual da comunidade científica internacional. Por razões ainda não muito bem conhecidas, a maioria dos clones de animais resulta em abortos; os que sobrevivem à gestação tendem a nascer com sérios problemas de saúde. Como a utilidade de clonar um ser humano para fins reprodutivos é relativamente limitada -a principal demanda é de casais inférteis-, tudo recomenda que a chamada clonagem reprodutiva seja, senão proibida, pelo menos suspensa, até que as dificuldades técnicas estejam resolvidas.
Infelizmente, sempre haverá grupos que se colocarão contra o consenso e tentarão promover-se à custa de experiências polêmicas e irresponsáveis. Como existem "paraísos genéticos" (países que não possuem leis contra tal tipo de experimento), não há muito o que se possa fazer, além de condenar com palavras esse gênero de aventura.
Para além de bazófias e crenças exóticas promovidas por "outsiders" da ciência, está em curso uma discussão ética relevante e responsável a propósitos de experimentos também polêmicos, mas úteis. É o caso, por exemplo, da proposta de testar células-tronco humanas em ratos.
Células-tronco embrionárias têm capacidade para converter-se em qualquer tipo de tecido, de ossos a pele. Acredita-se que possam conter a chave para tratamentos contra diversas moléstias. No limite, serviriam também para fazer órgãos como rins e corações para reposição.
Por razões éticas, não se podem utilizar seres humanos para injetar-lhes células-tronco embrionárias e assim aprender mais sobre elas e testar a eficácia de diferentes linhagens. O caminho, nesses casos, é substituir pessoas por ratos. O problema é que os seres resultantes desse gênero de experimento seriam o que os biólogos chamam de quimeras, isto é, híbridos, parte ratos, parte homens.
Na verdade, seriam fundamentalmente ratos com algumas células humanas. Mesmo assim, ficam algumas perguntas. Qual a proporção de células humanas necessárias para que esses ratos-homens sejam considerados humanos? E se a experiência resultar num rato cujo cérebro se constitua principalmente de células humanas? E se o animal for capaz de produzir espermatozóides ou óvulos integralmente humanos?
Não existem respostas fáceis para questões como essas. Mas experimentos com células-tronco são úteis, legítimos e devem ser levados adiante. Isso não significa que não encerrem problemas éticos que precisam ser debatidos e equacionados.
Se o homem almeja tornar-se senhor da vida e da morte deve ser capaz de encontrar respostas eticamente aceitáveis para os problemas que ele próprio cria.


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