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TENDÊNCIAS/DEBATES
Uma nova política para os HUs
GIOVANNI GUIDO CERRI
O novo governo federal deveria
discutir, em profundidade, a questão dos hospitais universitários (HUs)
ligados às universidades públicas. Estes
hospitais são os grandes formadores de
recursos humanos para a área de saúde,
incluindo médicos especialistas e pessoal paramédico. Sem a formação desses recursos humanos, toda a assistência entraria em colapso.
Os HUs também são responsáveis pela maior parte dos atendimentos de alta
complexidade do SUS (Sistema Único
de Saúde), como cirurgias cardíacas,
transplantes, tratamento oncológico
etc., sendo em muitos casos a única alternativa da população carente para esse tipo de atendimento. A pesquisa médica em grande parte desenvolve-se
nesses hospitais, como ocorre nos laboratórios de investigação médica do Hospital das Clínicas, importante núcleo da
pesquisa médica no país.
O patrimônio que esses hospitais representam é fundamental para o desenvolvimento da medicina brasileira não
só na assistência, mas também no ensino e na pesquisa. E precisa ser preservado pelas gestões da saúde pública.
Grande parte dos hospitais universitários passa por crise financeira sem precedentes, tendo sido obrigada a reduzir
o atendimento ou a fechar setores.
A existência de tetos que limitam o pagamento do SUS independentemente
do número de procedimentos realizados é o mecanismo mais perverso criado na área de saúde. Os HUs, já carentes
de recursos, ou não recebem pelos procedimentos que realizam ou, pior, são
obrigados a recusar o atendimento pelo
SUS aos pacientes que necessitam de
uma assistência médica de qualidade.
O próprio HC poderia ampliar o atendimento se novos recursos fossem injetados no sistema, em infra-estrutura.
Há necessidade urgente, para preservar os interesses da população e do Estado, da criação de uma política de saúde para os hospitais universitários públicos que leve a uma forma de financiamento diferente da atual. Para a assistência médica prestada pelos HUs públicos, o Ministério da Saúde deveria
criar um mecanismo de pagamento
desvinculado do sistema de teto. Assim,
seria garantido um financiamento em
um nível que possibilitasse a criação de
uma rede de hospitais universitários
que poderiam suprir as necessidades de
alta complexidade do SUS.
O patrimônio que esses hospitais representam é fundamental para o desenvolvimento da medicina brasileira
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Como o papel dos HUs engloba também a formação de recursos humanos e
pesquisa, essa nova política de financiamento deveria envolver outros ministérios, como os da Educação e da Ciência
e Tecnologia. Considerando a importância estratégica e o interesse nacional
dos HUs, o novo financiamento deveria
ser estabelecido em uma relação direta
entre os ministérios e os hospitais.
Para ampliar a rede de atendimento
assistencial, formação de recursos humanos e pesquisa médica, também se
deveria exigir que as escolas médicas
privadas tivessem seus próprios HUs.
Estes cumpririam papel semelhante ao
dos públicos, evitando que o ônus
maior da formação de recursos humanos e assistência recaíssem, na sua grande parte, sobre os hospitais públicos.
Os números do Hospital das Clínicas,
que registra um atendimento anual ambulatorial a 1,5 milhão de pacientes, 550
mil emergências, 60 mil internações,
4.500 cirurgias, 550 transplantes, 2.500
partos de alto risco e um total de 10 milhões de pessoas circulando pelo complexo, indicam que uma rede de hospitais universitários públicos, com financiamento adequado, poderá resolver
grande parte dos problemas do SUS.
O fim do perverso mecanismo do teto
para hospitais universitários públicos e
a criação de uma fonte exclusiva de financiamento para os mesmos seriam,
portanto, um passo importante para
humanizar e resolver o atendimento
médico à nossa população, preservando
o patrimônio de educação e ciência médica que essas instituições acumulam.
É necessário agir com urgência, porque a evasão dos recursos humanos
qualificados torna-se cada vez mais
acentuada, perdendo-se os investimentos na sua formação, que exigirão muitos anos para ser recuperados.
Giovanni Guido Cerri, 49, é diretor da Faculdade de Medicina da USP e presidente do Conselho Deliberativo do Hospital das Clínicas.
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