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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES
Imaginação sem limites...
Foi um encontro casual. Visitávamos o amigo Honório, que convalesce de grave cirurgia.
Mantido o necessário respeito ao paciente, a conversa enveredou para
amenidades. Mas a Joaninha, velha
amiga de escola e que tem pimenta na
língua, resolveu cutucar o outro amigo presente, o Mathias, produtor rural
em São Paulo, mas que tem profundas
raízes em Minas Gerais.
A chacota foi sobre o caso do mineiro que, na semana passada, em Montes Claros, tentou comprar um maço
de cigarros com uma nota de R$ 3 -é
isso mesmo, três reais! A Joaninha e a
própria imprensa deitaram e rolaram
com a gafe do espertalhão, que, diante
da rejeição do comerciante, indagou:
Mas você ainda não conhece a nota
de R$ 3? É o último lançamento do
Banco Central!
O dono do bar pegou a nota, virou-a
de um lado e de outro, colocou-a contra a luz e não teve dúvidas: chamou a
polícia, o que provocou a fuga do estelionatário, visto que, tecnicamente,
não pôde ser tipificado como falsário
por não existir nota de R$ 3.
O Mathias não gostou da insinuação
de burrice que permeou a narrativa da
Joaninha, dizendo: "De duas, uma. Ou
o mineiro brincou com o vendeiro ou
teve alguma razão forte para o seu invento. Afinal, quem faz nota de R$ 3
pode fazer nota de R$ 100".
De fora da conversa, procurei dar
uma de mediador para que o Honório
não se estressasse com a rixa dos dois.
Ponderei que, à distância, era difícil
saber o que aconteceu. Mas a metralhadora giratória da Joaninha estava
lubrificada e não tirava o Mathias do
seu alvo.
Foi em meio a estocadas e flechadas
que o próprio Honório, que tem uma
memória de elefante, entrou na conversa para nos dar a seguinte lição:
"Sabem de uma coisa? Não foi nem
burrice nem esperteza. Foi confusão.
Vejam bem, nos últimos 60 anos, o
Brasil teve oito padrões monetários,
quando as moedas foram perdendo
zeros e mais zeros ao longo do caminho. Antes de 1942, falava-se em contos de réis; naquele ano, entrou o cruzeiro, com sete cédulas diferentes; em
1967, apareceu o cruzeiro novo, também com sete notas; em 1970, voltou o
cruzeiro, com 14 cédulas; em 1986,
nasceu o cruzado, com sete notas; em
1989, surgiu o cruzado novo, com sete
cédulas; em 1990, voltou o cruzeiro,
com 11 notas; em 1993, nasceu o cruzeiro real, com seis cédulas; em 1994,
apareceu o real, com sete notas e, mais
tarde, com oito, graças à estréia da
simpática cédula de R$ 2".
"Ora, em um país que usa 74 cédulas
em 60 anos", arrematou o Honório,
"por que condenar um pobre coitado
que, desavisado e precipitado, resolveu partir logo para a nota de R$ 3?"
Todos riram e a controvérsia acabou...
Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.
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