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CARLOS HEITOR CONY
Noites de outrora
RIO DE JANEIRO - Quando não tenho nada o que fazer, o que é mais ou
menos freqüente para os meus lados,
gosto de mexer em guardados, não
mais por curiosidade, que não a tenho, mas por necessidade de compreender o processo que me transformou naquilo que sou, contra a minha vontade e, muitas vezes, contra o
meu próprio interesse.
Outro dia, numa velha caixa de
charutos Partagas Supercoronas, encontrei um apito de madeira, daqueles que eram vendidos nas quitandas
de antigamente. Alguns eram de barro, os mais eficientes eram mesmo de
madeira ou de metal.
Para que serviam? Os tempos eram
mais tranqüilos, as casas tinham, ao
lado da placa de numeração, geralmente em azul e branco, uma outra
placa, vermelha, com as iniciais: VN.
Significava "vigilância noturna". Pelas noites mais antigas do passado,
um guarda-noturno passava pelas
ruas, apitando de quando em quando o seu apito. Era a ronda, era o apito que afugentava os ladrões, geralmente de galinhas. Dava à sociedade
em geral uma tranqüilidade gostosa,
dormíamos em paz sabendo que o
guarda-noturno velava pelo nosso
sono, pelas nossas galinhas.
Além dessa proteção vinda de fora
para dentro, da rua para casa, havia
em cada mesinha de cabeceira um
apito igual ao que encontrei entre os
guardados de minha mãe.
Em emergência, em situação de perigo, quando um barulho parecia forçar uma porta ou janela e muitas vezes não era nada, era apenas o vento,
ou quando as galinhas ficavam excitadas no quintal, ou um cachorro latia num terreno distante, era hora de
pegar o apito e apitar. Mesmo que o
guarda-noturno não aparecesse logo,
o ladrão se escafedia, ninguém podia
contra aquele som generoso e profilático que cortava o silêncio da noite,
da noite mais antiga do passado.
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