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OS RISCOS GLOBAIS
"O tempora, o mores!" (Ó
tempos, ó costumes!).
Com esse célebre lamento, Cícero
traduziu em poucas palavras um
sentimento que sempre acompanhou a humanidade: o de que as coisas estão continuamente piorando,
de que, num passado nem tão remoto, tudo era melhor.
Em termos rigorosamente objetivos, a tese é falsa. No passado vivia-se muito menos e pior. O homem de
Neanderthal não durava mais do que
29 anos. Em 1750, a expectativa de vida era de 35 anos. Hoje, nos países
desenvolvidos, as pessoas vivem em
média mais de 75 anos.
Esses avanços, evidentemente, não
devem turvar a visão para as terríveis
mazelas que ainda torturam a humanidade. Das guerras que não poupam nem crianças ao caos econômico e social que eclode de tempos em
tempos em várias regiões do planeta,
a capacidade do homem de fazer mal
a seus semelhantes também cresceu
histórica e exponencialmente.
O que causa uma certa surpresa é
que o discurso do tudo piorou persiste mesmo em períodos de relativa
tranquilidade e prosperidade. O paradoxo teria, assim, raízes psicológicas. Uma hipótese para explicar o fenômeno é a de que a percepção de
mudanças que cada um tem não segue a mesma rota firme de estatísticas do tipo expectativa de vida. E, como o mundo não cessa de mudar, às
vezes violentamente, a perda do sentimento de familiaridade com as coisas assume o timbre de um lamento
como em "o tempora, o mores!".
Eventos como o 11 de setembro,
que atingem no âmago a imagem e a
auto-imagem da maior potência do
planeta, desintegram referências até
então tidas como imutáveis. Os EUA
passaram por duas guerras mundiais sem sofrer ataques em seu território continental. Pensava-se que a
América era uma fortaleza inexpugnável. Essa certeza ruiu em poucas
horas com o World Trade Center.
Mesmo temores que se acreditavam do passado, como o espectro da
guerra nuclear, podem retornar, como ocorre agora com a intensificação do conflito Índia-Paquistão.
Se é exata a idéia de que a percepção
de deterioração está ligada à perda de
familiaridade com as coisas, é possível que a sensação de piora seja um
sintoma de que o mundo se tornou
um lugar bem mais complexo e difícil de entender.
De fato, pelo menos parte dos
atuais "infortúnios" da humanidade
tem a ver com o ritmo frenético com
que velhas instituições se revelam caducas, mas ainda não foram substituídas por outras que pelo menos pareçam capazes de oferecer respostas.
Durante a Guerra Fria, por exemplo,
havia um sistema de equilíbrio entre
as duas potências que dava a sensação de que o mundo fazia parte de
um esquema conhecido. Agora que
esse mundo desapareceu e suas instituições se mostram obsoletas, fica
reforçada a noção de que os principais eventos no planeta ocorrem de
forma caótica e sem direção.
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