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Grampo no poder
Escuta no STF tem raiz na leniência do Executivo e do Legislativo, omissos diante da cultura policial incrustada no Estado
NÃO É de hoje que se espalha por Brasília a
convicção de que as
mais altas autoridades
da República vêm sendo grampeadas. Reportagens são publicadas, varreduras dão em nada e
ninguém sai responsabilizado.
Agora, há um fato: conversa do
presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF), Gilmar Mendes,
com o senador oposicionista Demóstenes Torres (DEM-GO) foi
gravada, vazada e publicada.
A comprovação chocante circulou com a revista "Veja", que
aponta a Agência Brasileira de
Inteligência (Abin) como responsável pela bisbilhotice. A
agência era já a principal suspeita, ao lado da Polícia Federal, nas
prováveis escutas realizadas no
contexto da Operação Satiagraha, que levou à prisão de Daniel
Dantas. Gilmar Mendes, por ter
libertado o banqueiro, teria sido
incluído na conta de "inimigo".
Além de ministros do STF, até
alvos no Palácio do Planalto ou
próximos do Executivo teriam
caído na mira pelo menos do baixo clero dos órgãos de investigação. As cúpulas da Abin e da Polícia Federal sempre negaram as
escutas. Voltam agora a refutar
seu envolvimento, mas a verossimilhança da negativa encolhe a
olhos vistos.
Existe, claro, a hipótese de que
a escuta tenha sido realizada por
terceiros. Há um cipoal de interesses envolvidos, tanto na espionagem quanto na sua divulgação. Só uma investigação enérgica poderia desenredar o emaranhado, mas as primeiras reações
diante do incabível sugerem que
não se descarta o teatro de praxe
das providências cabíveis.
Por um lado, fez bem o presidente da República de afastar a
cúpula da Abin, depois de reunir-se com o chefe do Supremo. É o
mínimo que lhe cabia fazer para
tornar menos vaga a promessa
de sempre, de investigação isenta (com a vigilância da Procuradoria Geral da República).
No Congresso, porém, o máximo que se conseguiu improvisar
foi um depoimento, hoje, do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general
Jorge Felix, à CPI das Escutas
Telefônicas Clandestinas. Já a
"reunião de emergência" da Comissão Mista de Controle de Órgãos de Inteligência do Congresso ficou para o dia 9 (o órgão se
reuniu pela última vez em 2005).
Está aí, na atitude leniente dos
Poderes da República, a raiz do
descontrole no aparelho policial
e de segurança. Essa subcultura
autoritária incrustada no Estado
viceja à sombra dos interesses
menores dos ocupantes dos cargos mais altos, useiros e vezeiros
de dossiês e grampos. Se as instituições não lhe resistirem com
comando e vigilância, terminarão carcomidos por ela.
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