UOL




São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Um grande desafio à ciência!

Está de volta o debate sobre os transgênicos. Agora, a discussão começa a girar em torno do projeto de lei que o Poder Executivo prepara para dar uma solução definitiva ao que foi acomodado por uma medida provisória.
O assunto é estritamente científico. O que se quer saber, afinal, é se os produtos geneticamente modificados prejudicam ou não a natureza e os seres humanos.
Milhares de pesquisas foram feitas para decifrar esse enigma. Em artigo anterior, citei dezenas delas, realizadas pelos mais renomados cientistas do mundo, dizendo não haver confirmação de que tais produtos prejudiquem a saúde ou o ambiente ("A vitória do bom senso", Folha, 28/9). Na última sexta-feira, o Food and Drug Administration concluiu que até mesmo o leite e a carne de animais clonados são seguros para a saúde humana ("New York Times", 31/10).
É claro que cada produto tem de ser analisado individualmente. Foi para isso que o governo brasileiro criou um colegiado multidisciplinar, composto por 36 membros, para, entre outras coisas, dar pareceres técnicos conclusivos sobre a situação de plantas e animais em cada região do país -a CTNBio.
As conclusões dessa agência sobre produtos geneticamente modificados têm coincidido com a esmagadora maioria das opiniões dos cientistas do resto do mundo. Em suma, o Brasil está cientificamente bem calçado nessa área.
Ocorre que nem sempre as conclusões dos cientistas agradam aos burocratas. Estes sofrem pressões e carregam idéias de natureza pessoal, corporativa, política e ideológica, apesar de não estarem aparelhados para desenvolver e construir teorias que possam desmentir a ciência -aliás, esse não é o seu ofício.
Todavia, valendo-se do poder que têm, os burocratas tomam decisões que acabam estimulando, inibindo ou impedindo o uso de produtos transgênicos no país.
Por notícias de imprensa -que espero não sejam confirmadas pelo governo-, diz-se que o referido projeto de lei dará aos cientistas a competência de reprovar produtos que acharem inseguros, mas não a de aprová-los quando julgarem seguros. Esta decisão ficaria para um outro colegiado, composto não por cientistas, mas, sim, por políticos e burocratas.
Se assim for, o projeto de lei implantará uma deslavada politização da ciência. Nem nesse ponto a peça será original. Galileu Galilei, em 1634, foi execrado por comprovar, com a ajuda da sua inteligência, de telescópios e de cálculos matemáticos, que a Terra girava em torno do Sol, contrariando a ideologia de plantão, que acreditava no inverso.
A descoberta da verdade, com base na ciência, foi considerada uma inaceitável heresia pela burocracia religiosa. Por decisão da Inquisição, Galileu foi condenado à prisão perpétua domiciliar.
Mesmo depois de morto (1642), seus parentes não conseguiram satisfazer o seu desejo de ser enterrado no túmulo de sua família na basílica da Cruz Santa, em Florença. A burocracia os impediu.
Vamos repetir esse filme novamente?


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: O tenor e o barítono
Próximo Texto: Frases

Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.