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CARLOS HEITOR CONY
O tenor e o barítono
RIO DE JANEIRO - Tal como a obra de arte, uma boa piada é também
uma obra em progresso, "work at
progress". A piada que vou contar
não chega a ser boa, mas, estando em
processo, pode ser adaptada ao desabafo que Lula fez, na semana passada, classificando seus antecessores de
covardes.
Num teatro lírico, o barítono fez a
sua parte e foi vaiado com fúria pela
platéia. Não se afobou. Quando as
vaias e os tomates que lhe foram jogados acabaram, ele fez a ameaça:
"Vocês ainda não viram nada. Esperem pelo tenor!".
A piada -que, como disse, não é lá
essas coisas-, uma vez em progresso
(ou processo), faria o tenor se referir
ao barítono retroativamente: "Sou
péssimo, mas o barítono foi pior".
É muito cedo para Lula dar uma esnobada dessa em seus antecessores.
Uns pelos outros, foram até razoáveis, ficando a critério de cada geração escolher os piores e eleger os melhores. De qualquer forma, se os presidentes pré-Lula não foram integralmente corajosos, o atual tampouco
tem revelado uma coragem excepcional. Pelo contrário.
Preocupado com a elegibilidade, ele
esqueceu seu passado de lutas e promessas, aliando-se às mesmas correntes políticas que sustentaram o
governo passado. Eleito limpamente,
de forma insofismável, passou a preocupar-se com a governabilidade e,
para governar, teve de aceitar as
prioridades de seus antecessores, sobretudo a que coloca o nosso desenvolvimento na dependência do capital internacional monitorado pelo
FMI.
Pode parecer ingenuidade colocar a
questão em termos aparentemente
tão simplórios, mas, enquanto um
governo de país emergente, como o
Brasil, não colocar a prioridade máxima no crescimento, o tal espetáculo
que Lula continua a prometer não
passará da troca de um barítono horrível por um tenor horripilante.
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