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Editoriais
Fichas sujas
Apesar da intenção moralizante, impedir candidaturas de políticos com processos judiciais traz risco de abusos
ALIMENTADO com doses
maciças de demagogia,
mentira e desfaçatez, o
horário eleitoral gratuito certamente é incapaz de
atender às demandas de mais debate e informação política por
parte do eleitorado brasileiro.
Este se vê, a rigor, como que indefeso diante de uma nuvem voraz de candidatos -em especial
aqueles que disputam cargos no
Legislativo-, os quais mal conhece, e de cujo intuito predatório e criminoso desconfia, muitas vezes com razão.
Sem dúvida, é por se sentirem
desarmados diante desse indiscriminado assédio eleitoral -e
dos inúmeros escândalos protagonizados pelos vitoriosos em
cada pleito- que setores significativos da opinião pública vêem
com simpatia a idéia de impedir
a candidatura daqueles que tenham processos correndo na
Justiça; ou, pelo menos, dos que
já foram condenados em alguma
instância, mesmo que lhes caiba
ainda algum recurso.
São entretanto corretas e
oportunas as críticas do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, às iniciativas de barrar judicialmente a
candidatura dos chamados "fichas sujas". Não seria difícil, da
parte de qualquer candidato,
promover a abertura artificial de
processos contra um adversário.
No caso de políticos que já passaram pelo Executivo, é corriqueiro que ações de todo tipo -legítimas ou disparatadas- multipliquem-se em seu descrédito.
Mais uma vez, algo semelhante
a um automatismo burocrático,
ou uma versão renovada do conhecido fenômeno da "judicialização da política" tenderia a
substituir, com risco evidente de
abusos e distorções, um processo
no qual o eleitor, na verdade, é
quem deve ser o único juiz.
A filtragem prévia de candidatos, sobre os quais não pesa condenação definitiva, equivaleria,
no fundo, a delegar a uma instância judicial responsabilidades
que, numa democracia, cabem
essencialmente aos cidadãos.
Não haveria como distinguir,
de resto, os diversos níveis de
gravidade e consistência das acusações que pesam contra os candidatos, sobre os quais cairia indiscriminadamente a lâmina cega de um dispositivo jacobino.
Nada mais urgente do que recuperar um mínimo de qualidade ética na política brasileira. É
no plano da informação, e não de
novos expedientes regulatórios,
que se devem entretanto procurar mecanismos de garanti-la.
São públicos, de resto, os dados
sobre os processos judiciais enfrentados por qualquer candidato. Disponibilizá-los de forma
confiável na internet seria passo
importante para auxiliar escolhas do eleitorado. Que este saiba
discriminar e julgar, por conta
própria, as informações a seu
dispor. Nenhuma autoridade poderá substituí-lo nessa tarefa.
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