São Paulo, quarta-feira, 03 de setembro de 2008

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Editoriais

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Equilíbrio peculiar

Pujança dos emergentes, que atenua crise dos ricos, estará ameaçada em caso de deflação brusca de commodities

NO DEBATE sobre a mudança de tendência nas contas externas brasileiras, o primeiro cuidado deveria ser o de evitar comparações automáticas com o ciclo de crises que o país atravessou entre 1994 e 2002. Daqueles solavancos deve-se guardar a lição genérica de que nunca haverá crédito ilimitado para nações que consomem mais dólares do que obtêm com exportações.
Mas a implicação de fenômenos recentes, como o veloz aumento das importações brasileiras, é bem mais nuançada do que foi no período anterior. Isso ocorre basicamente porque a economia internacional entrou em uma fase diferente.
No início desta década, as nações emergentes começaram a se recuperar da crise pela via tradicional, com o câmbio desvalorizado, o consumo interno restrito e as exportações em alta. Os EUA, por seu turno, também seguiram um conhecido modelo: consumo doméstico em alta, estimulado pela expansão dos gastos do governo e atendido pelo crescimento das importações.
Uma novidade começou a despontar no ano passado. Apesar de Estados Unidos, Europa e Japão terem entrado em desaceleração, a atividade nas economias emergentes manteve o ritmo acelerado. O fenômeno foi possível graças a uma mudança de padrão no crescimento destes países, que passou a depender menos das vendas externas para o mundo rico e mais do mercado interno -bem como do redirecionamento das exportações para nações em desenvolvimento.
Dados do comércio externo brasileiro publicados ontem pelo jornal "Valor" propiciam um retrato em miniatura do que ocorre no planeta. Se forem computados apenas os volumes físicos negociados, e não o valor monetário das transações, as exportações do Brasil para os EUA caíram 12% nos 12 meses até junho, em relação ao período imediatamente anterior. Já as vendas para a Ásia, com destaque para a China, subiram 10% na mesma base de comparação. Para o Mercosul, o incremento foi de 15%.
Se o PIB americano cresceu um pouco (0,8%) no segundo trimestre, foi porque o país conseguiu exportar mais, além de ter importado menos. Inverteram-se os papéis: são temporariamente os EUA, com o consumo doméstico e o valor do dólar deprimidos, que dependem da pujança do mundo emergente para não entrarem em recessão.
A preocupação de países como o Brasil concentra-se na hipótese de uma queda abrupta no preço das commodities, que dominam sua pauta de exportações. Seria um evento com potencial para alterar esse equilíbrio peculiar entre ricos e emergentes.


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