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A FOME DO FMI
Há pelo menos duas razões
para a falta de prestígio do
FMI, sobretudo após a crise asiática.
Primeiro, suas receitas têm falhado
sistematicamente. Segundo, há um
número grande de países que ficam
tempo demais nessa UTI financeira.
A catástrofe argentina resume bem
uma das falhas do modelo do Fundo:
ao exigir ajustes fiscais e arrochos
monetários crescentes para aumentar a credibilidade de um governo, o
FMI por vezes debilita as bases econômicas do governo, pois o ajuste recessivo corrói receitas públicas e aumenta a pressão sobre despesas. Especialmente as financeiras, pois é comum o Fundo recomendar a elevação dos juros para estabilizar o câmbio e gerar saldos comerciais.
Quanto à erosão das bases políticas, da Indonésia à Tailândia, passando pela Argentina, crises e derrotas de candidatos governistas mostram que a ortodoxia do FMI fragiliza
governos e não vê limites para a imobilização de políticas públicas.
A sanha em favor de um choque de
credibilidade que viria de mais arrocho fiscal e financeiro já se manifestou. Segundo reportagem da Folha,
ao FMI agradaria uma elevação da
meta de superávit primário em 2003.
O tarifaço dos combustíveis já faz
eco à abordagem clássica do FMI.
O argumento em favor de maior arrocho fiscal tem como base a deterioração da relação dívida pública/PIB
após a onda recente de desvalorização cambial. Seria urgente mostrar
aos credores que haverá recursos para honrar compromissos em 2003.
Ora, nos últimos dias já se observou um recuo significativo nas cotações do dólar. Parece precipitado calcular a relação dívida pública/PIB pelos níveis do dólar nas últimas semanas de especulação desvairada.
Na prática, o suposto choque de
credibilidade tornaria ainda mais
contraditória a receita do FMI. O arrocho tenderia a produzir mais recessão e a frustrar metas de ajuste.
É isso que então leva à segunda razão de descrédito do Fundo. Ao patrocinar políticas equivocadas, o FMI
apenas prolonga a estadia dos países
em desenvolvimento na sua UTI.
Atualmente, até a burocracia do
Fundo questiona as "internações"
prolongadas, pois elas desviam a organização de seu mandato, que é dar
apoio temporário a países em crise.
Dessa perspectiva, nada evidencia
tanto a inconsistência e a ineficácia
das receitas do Fundo quanto a permanência prolongada de pacientes
sob sua custódia. Ocorre que em
muitos casos essa estadia ou a demanda recorrente de seus préstimos
resultam do remédio receitado.
A economia brasileira é um dos
exemplos mais dramáticos dessa lógica que aprofunda a dependência e
fragiliza o Estado.
Em tese, somente economias que
crescem podem honrar seus compromissos financeiros. A receita do
FMI inverte os termos desse truísmo.
Coloca freios ao crescimento em nome da recuperação do crédito.
O governo brasileiro precisa atender às expectativas de credores e investidores. Mas é crucial moderar o
apetite do FMI, pois o seu tratamento
de choque já perdeu credibilidade como estratégia para recuperar a confiança e a governabilidade.
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