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HISTÓRIA, RAZÃO E FÉ
A notícia ganhou as primeiras
páginas de vários jornais em todo o mundo. É compreensível. Um
ossário provavelmente fabricado por
volta de 60 d.C. achado nas cercanias
de Jerusalém com a inscrição aramaica "Ya'akov bar Yosef akhui di
Yeshua" (Tiago, filho de José, irmão
de Jesus) pode ser a mais antiga referência a Cristo já encontrada e uma
das poucas documentações extrabíblicas a corroborar sua existência.
Embora pesquisadores tenham recebido a descoberta com cautela e
não descartem tratar-se de uma fraude, há vários indícios de que o achado possa ser autêntico. O estilo cursivo da caligrafia, bem como o hábito
de guardar restos mortais em ossários, é consistente com a época em
que Tiago, segundo a tradição o irmão de Jesus, morreu apedrejado.
Mais, o cientista responsável pela
divulgação da notícia, André Lemaire, da Sorbonne, é bastante reputado. Além disso, o Instituto Geológico de Israel não encontrou traços de
pigmentos modernos ou ferramentas contemporâneas, o que indicaria
uma falsificação mais grosseira.
Supondo que a peça seja autêntica,
a probabilidade de o Tiago da inscrição ser o irmão de Jesus é considerável. Embora Tiago, José e Jesus fossem nomes comuns na Jerusalém do
1º século, as chances de os três nomes aparecerem nessa ordem são
pequenas. Também é sintomático o
fato de que não era hábito dos judeus
indicar os nomes de irmãos em urnas funerárias. Uma explicação para
a menção pode ser a proeminência
do irmão, o que reforça a suspeita de
que o ossário é o do Tiago bíblico.
Por mais tentador que seja ver na
peça uma prova histórica da existência de Cristo, em termos estritamente científicos a dúvida não foi dirimida. Embora a descoberta arqueológica pareça consistente, todas as "provas" que ela traz são circunstanciais.
Para dificultar as coisas, o ossário
não foi encontrado em escavações,
mas levado ao pesquisador por um
colecionador, que o obteve de saqueadores de sítios arqueológicos.
Parte do valor explicativo de descobertas como essa se perde quando
elas são retiradas de seu contexto.
No fundo, o que se pode dizer do
ossário é que ele é interessante, quase uma curiosidade. Embora muitos
cristãos, especialmente os católicos,
gostem de venerar relíquias, não são
esses objetos que definem a fé. Na
verdade, tentar provar a fé por meio
da ciência costuma ser contraproducente. O discurso religioso e o científico não combinam. É muito difícil
conciliar, por exemplo, a literalidade
do relato bíblico da criação do mundo, o "Gênesis", com as evidências
geológicas e biológicas a respeito do
surgimento do mundo e da vida.
Isso não significa que seja impossível para uma pessoa acreditar em
Deus e na ciência simultaneamente.
É preciso apenas que o fiel interprete
as Escrituras de forma não-literal ou
que separe bem as questões de fé de
suas convicções científicas.
No fundo, tinha razão Tertuliano
(155-220) quando afirmou "Credo
quia absurdum" (creio porque é absurdo). Com isso, o teólogo cristão
quis dizer que a base da fé é o milagre, isto é, o que contraria as leis da
natureza e a ciência.
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