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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES
Para onde vão os nossos alimentos?
Ninguém questiona a necessidade de mitigar a fome com a maior
urgência. Mas há algumas questões a
esclarecer.
1) No Brasil, quando se divide a safra
de grãos pela população, a produção
per capita é de 580 quilos por ano
-enquanto no resto do mundo é de
300 quilos. Não se pode dizer que os
alimentos vão para o exterior, pois exportamos menos de 1% das exportações mundiais. Para onde vão então?
2) Costuma-se dizer que a fome é reflexo da má distribuição de renda.
Mas, para quem ganha de um a dois
salários mínimos, um acréscimo de
1% na renda determina um aumento
de 0,8% no consumo de alimentos,
enquanto para as pessoas de rendimentos mais altos, esse aumento é de
apenas 0,2%, pois seus estômagos são
limitados... Como se distribui a ingestão direta e indireta dos 580 quilos de
grãos?
3) É comum usar a baixa renda como indicador de pobreza e de fome.
Sabendo que a maioria dos pobres está no Nordeste, em especial no campo,
quantos são os que, apesar de não terem renda, têm acesso a frutas, peixes,
feijão, farinha e outros alimentos?
4) Os números sobre as pessoas que
passam fome são os mais desencontrados. O Instituto da Cidadania do
PT estima em 44 milhões; alguns órgãos do governo federal falam em 14
milhões; outros em 24 milhões. Afinal,
quantos são os que precisam ser atendidos? O atendimento será meramente assistencialista?
5) O IBGE nos diz que os brasileiros
de baixa renda aumentaram o consumo de carne bovina, de frango, de
queijos e de biscoitos. No mundo,
consome-se cerca de 38 quilos de carne per capita anualmente; no Brasil,
são 60 quilos. Quem está longe dessa
média? Quantos são?
Com tanta comida disponível, o
problema da fome é uma vergonha
mundial. Para atacá-lo com eficiência,
porém, é crucial escolher um método
que seja capaz de eliminar essas diferenças.
Os programas do governo atual distribuem R$ 15 por pessoa pobre para
comprar os alimentos que quiser. O
programa do novo governo pretende
distribuir um cartão magnético com
um crédito de R$ 50 a R$ 150 para os
pobres comprarem determinados alimentos (cesta básica preestabelecida)
em pontos-de-venda selecionados.
É preciso tomar cuidado. O excesso
de burocracia pode matar o programa, e não a fome. Não faltarão no cenário os políticos que têm um outro tipo de fome, a de dominar o cadastro
dos famintos para, junto a eles, exercerem sua influência. Lembram-se do
programa do leite do Sarney?
Os que têm fome precisam de uma
solução simples (por que comprar só
o que o governo quer?) e barata (por
que gastar o que não temos?). É bom
pensar muito antes de agir. Cabe ao
novo governo, em primeiro lugar,
analisar o destino da nossa imensa
produção de alimentos.
Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.
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