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São Paulo, domingo, 04 de maio de 2003

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CONGRESSO SOB PRESSÃO

Criou-se no Brasil um clima preocupante em torno do andamento das reformas previdenciária e tributária propostas pelo Executivo federal. A marcha, em Brasília, liderada pelo presidente da República e acompanhada por 27 governadores de Estado para a entrega dos dois projetos ao Congresso foi o ato mais teatral de um processo cujos alicerces remontam ao período eleitoral e que visa pressionar o Parlamento para que aprove com rapidez -e, de preferência, sem alterações substantivas- as reformas pretendidas pelo governo.
Nas modernas sociedades democráticas, é comum surgirem movimentos que cobram pressa dos legisladores para resolver questões consideradas urgentes pelos governantes. Problemas surgem quando, nesse processo, o governismo consegue mobilizar parte relevante da mídia para a sua cruzada. Aí, a tendência natural de qualquer chefe de Executivo de "vender" a sua proposta como a única bem intencionada e de menosprezar os que dela discordam ganha dimensão ameaçadora para o exercício pleno da democracia.
O gesto triunfal da "marcha para o Congresso" não é, portanto, preocupante em si mesmo. Afinal, os governantes têm interesse em que os pontos acordados das reformas sejam aprovados rapidamente. É legítimo que manifestem esse desejo publicamente da forma que bem entenderem, desde que não interfiram concretamente na independência do Poder Legislativo. Também é legítimo que o Parlamento imprima o ritmo e as mudanças que julgar corretos à tramitação das reformas.
Mas o bloco de presidente e governadores a marchar ganha um significado preocupante num contexto em que a grande mídia eletrônica de massas encampa, através de uma cobertura que não raro transmite dogmas travestidos de informação, as teses do governo. Cria-se um clima à Doutrina Bush: "Quem está contra as reformas propostas pelo governo está contra o Brasil". Temas que deveriam ser obrigatórios numa discussão com tamanho impacto permanecem na penumbra. Não há, por exemplo, apenas uma única maneira de identificar as causas, de estimar a medida do déficit previdenciário e de propor soluções para saná-lo.
Ao mesmo tempo, percebe-se, nesse turbilhão da verdade monolítica, a recidiva de um velho discurso da direita populista e conservadora. O tema da caça aos marajás que parasitam o erário está de volta e, novamente, é apenas uma fina camada demagógica de verniz a encobrir conhecidos preconceitos contra o funcionalismo público e, de modo geral, contra a idéia, universalista, do Estado promotor do bem-estar social.
É necessário modificar mecanismos hoje presentes nos sistemas previdenciário e tributário que concentram renda, geram ineficiências na administração pública e na economia e cristalizam privilégios injustificáveis. A questão é saber em que medida as mudanças apresentadas pelo governo tocam nesses pontos centrais. Sem uma discussão pormenorizada, sem cotejar seriamente propostas alternativas à do governo, não será possível avaliá-lo. Que o Congresso resista à forte pressão e não tema empreender um debate qualificado e politizado (no nobre significado do termo) das reformas.



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