|
Próximo Texto | Índice
CONGRESSO SOB PRESSÃO
Criou-se no Brasil um clima
preocupante em torno do andamento das reformas previdenciária e tributária propostas pelo Executivo federal. A marcha, em Brasília,
liderada pelo presidente da República e acompanhada por 27 governadores de Estado para a entrega dos
dois projetos ao Congresso foi o ato
mais teatral de um processo cujos
alicerces remontam ao período eleitoral e que visa pressionar o Parlamento para que aprove com rapidez
-e, de preferência, sem alterações
substantivas- as reformas pretendidas pelo governo.
Nas modernas sociedades democráticas, é comum surgirem movimentos que cobram pressa dos legisladores para resolver questões consideradas urgentes pelos governantes.
Problemas surgem quando, nesse
processo, o governismo consegue
mobilizar parte relevante da mídia
para a sua cruzada. Aí, a tendência
natural de qualquer chefe de Executivo de "vender" a sua proposta como
a única bem intencionada e de menosprezar os que dela discordam ganha dimensão ameaçadora para o
exercício pleno da democracia.
O gesto triunfal da "marcha para o
Congresso" não é, portanto, preocupante em si mesmo. Afinal, os governantes têm interesse em que os pontos acordados das reformas sejam
aprovados rapidamente. É legítimo
que manifestem esse desejo publicamente da forma que bem entenderem, desde que não interfiram concretamente na independência do Poder Legislativo. Também é legítimo
que o Parlamento imprima o ritmo e
as mudanças que julgar corretos à
tramitação das reformas.
Mas o bloco de presidente e governadores a marchar ganha um significado preocupante num contexto em
que a grande mídia eletrônica de
massas encampa, através de uma cobertura que não raro transmite dogmas travestidos de informação, as teses do governo. Cria-se um clima à
Doutrina Bush: "Quem está contra
as reformas propostas pelo governo
está contra o Brasil". Temas que deveriam ser obrigatórios numa discussão com tamanho impacto permanecem na penumbra. Não há, por
exemplo, apenas uma única maneira
de identificar as causas, de estimar a
medida do déficit previdenciário e de
propor soluções para saná-lo.
Ao mesmo tempo, percebe-se, nesse turbilhão da verdade monolítica, a
recidiva de um velho discurso da direita populista e conservadora. O tema da caça aos marajás que parasitam o erário está de volta e, novamente, é apenas uma fina camada
demagógica de verniz a encobrir conhecidos preconceitos contra o funcionalismo público e, de modo geral,
contra a idéia, universalista, do Estado promotor do bem-estar social.
É necessário modificar mecanismos hoje presentes nos sistemas
previdenciário e tributário que concentram renda, geram ineficiências
na administração pública e na economia e cristalizam privilégios injustificáveis. A questão é saber em que
medida as mudanças apresentadas
pelo governo tocam nesses pontos
centrais. Sem uma discussão pormenorizada, sem cotejar seriamente
propostas alternativas à do governo,
não será possível avaliá-lo. Que o
Congresso resista à forte pressão e
não tema empreender um debate
qualificado e politizado (no nobre
significado do termo) das reformas.
Próximo Texto: Editoriais: RECALQUE MONETARISTA Índice
|