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São Paulo, domingo, 04 de maio de 2003

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RECALQUE MONETARISTA

A consolidação da vantagem do candidato Lula nas eleições coincidiu com a cristalização da propaganda que propunha aos eleitores a oposição entre dois estados de espírito: o medo e a esperança.
Mas o governo Lula é, no plano das emoções e no das políticas, um modelo de timidez, para dizer o menos.
O medo de afugentar capitais parece justificar não apenas a manutenção da política econômica do governo FHC mas também uma radicalização do seu viés monetarista.
Nas últimas semanas, o medo de mudar ficou mais forte. Como que aperfeiçoando o retorno ao passado recente, a política econômica vem reencenando a lógica perversa da valorização do real a título de debelar ameaças inflacionárias ou de dar provas de recuperação da confiança dos mercados no governo brasileiro.
Sigmund Freud, estudioso de fobias e obsessões, ressaltava que esses distúrbios têm sempre como origem algum recalque, uma repressão de estados de ânimo que reaparecem de modo alterado ou invertido.
A técnica freudiana aplica-se bem a Lula e ao PT. Na origem, um desejo infantil, irrealizável, de transformar completamente o capitalismo, de repudiar o FMI e o mercado, de negar a globalização. Mas a fantasia recalcada acaba por produzir, na prática da cúpula petista que finalmente chega ao poder, uma adesão também doentia a tudo o que antes repudiava.
Assim, se Lula e o PT venceram o medo, sucumbiram à culpa por terem desejado um Brasil socialista.
O sentimento de culpa produz não só a substituição do sonho revolucionário pelo adesismo obsessivo e conservador mas uma fobia a qualquer ato ou discurso que vislumbre projetos econômicos alternativos.
Consolida-se desse modo uma intensa fobia à discussão, à elaboração e à implementação de um projeto nacional de desenvolvimento, amparado numa política menos dependente dos mercados financeiros.
Como sublinhou o ministro da Fazenda, Antônio Palocci Filho, o próprio Lula já está vindo a público para corrigir declarações suas sobre o modelo cambial que estariam sendo mal interpretadas -ou levadas a sério, quando seriam brincadeiras.
Nos corretivos que aplicam a Lula, ora Palocci, ora Henrique Meirelles, no Banco Central, insistem na importância de evitar qualquer sinal que dê sentido à política econômica. É o mercado que levará a taxa de câmbio ao "equilíbrio econômico".
Como ocorria no governo FHC, as tentativas de sinalização de longo prazo acabam sendo abortadas em nome da supremacia do mercado financeiro como indicador dos rumos da economia. Qualquer orientação de governo é considerada um anátema para os guardiães do mercado.
A fobia a projetos tem como regra a censura a tudo o que não seja defesa obsessiva, permanente e prioritária dos interesses dos credores, nacionais e estrangeiros, da moeda supostamente forte de um Estado fraco.



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