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CARLOS HEITOR CONY
A elite e os outros
BUENOS AIRES - Sempre desconfiei que a mídia, principalmente a impressa, gosta de exagerar tanto no entusiasmo como na fossa. Quem lê nossos jornais durante o Carnaval imagina uma bacanal em que as mulheres
são de todos, tudo é permitido, a alegria é federal. Sabemos que não é bem
assim.
Há exagero também quando a mídia cobre determinadas crises. Minha
estréia na reportagem internacional
foi aqui mesmo, em Buenos Aires, na
deposição do presidente Arturo Frondizi, já faz tempo. A imprensa mundial noticiava que a Argentina havia
acabado, tudo era caos e aflição de espírito.
Fiquei admirado, porque encontrei
um país em relativa calma, os militares prenderam o presidente em Olivos, ninguém foi para a rua reclamar,
os teatros estavam cheios, havia a estréia de "My Fair Lady", os restaurantes servindo a boa carne local,
uma rumbeira importada de Cuba
cantando "Babalu" num cabaré chamado Tronio.
É evidente que houve tragédias, a
repressão dos militares, as mães da
Praça de Maio. Anos mais tarde, em
76, estava numa confeitaria e vi uma
escolta de militares espancar e prender todos os presentes, menos os estrangeiros. O noticiário internacional, principalmente a mídia brasileira, trata a Argentina como um país
falido, sem futuro.
A crise provocada por uma elite destrambelhada, que se acredita européia de nascença e milionária por
obrigação, criou problemas tais que,
em alguns setores, fica até difícil considerar a Argentina um país integrado na América Latina. Em linhas gerais, a poderosa elite local acredita
realmente que vive num pedaço especial da Europa, cercada de mar e de
países subdesenvolvidos.
Goste-se ou não de Perón, ele criou
uma classe média que até hoje é ignorada por essa elite anacrônica, "belle
époque". Como no Brasil, muitos dos
problemas da Argentina têm como
causa a existência de dois países no
mesmo território. Sim, há também os
pobres, os descamisados, que esperam
um milagre de santa Evita Perón.
Uma santa que nos falta.
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