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À ESPERA DO FMI
O palanque eleitoral em que
se converteu o debate sobre a
política econômica brasileira lembra
clássicos do teatro do absurdo, como
Samuel Beckett. Em sua peça "Esperando Godot", dois vagabundos esperam a vinda de um ser misterioso
que nunca aparece.
Brasil e Argentina estão hoje irmanados numa espera, permeada por
situações absurdas, projetando no
FMI suas esperanças de salvação.
"Se ficarmos de braços cruzados,
sem fazer nada, pesando prós e contras, também faremos justiça à nossa
condição", comenta um dos personagens de Beckett.
Há pelo menos duas hipóteses para
explicar o impasse. No pior cenário,
as crises locais e global são a tal ponto devastadoras que praticamente
nada pode contra-arrestá-las.
A outra hipótese é a de que governos acuados não fazem tudo o que
poderiam para escapar ao círculo de
fogo da crise de confiança.
A primeira hipótese, embora verossímil, é absurda. Levada às últimas
consequências, a tese de uma crise
tão grave tornaria inúteis mesmo
eventuais pacotes de ajuda do FMI.
Aliás, as reticências do governo
Bush e as procrastinações do Fundo
refletem a crença de que não há o que
fazer contra os mercados.
O mais racional, nessa abordagem
ultraliberal, é poupar os recursos dos
contribuintes e esperar até que os
mercados dêem conta de políticas
econômicas insustentáveis.
A hipótese intervencionista, sem
subestimar as dificuldades internacionais, é mais otimista na ação. Mas
não há sinais de que o governo brasileiro e seu banco central estejam afinados com essa orientação.
Nos últimos meses, o que se viu foi
uma sequência de medidas nem
sempre corretas e, em alguns casos,
fortes, mas inadequadas.
Da mudança nas regras dos fundos
de investimento à ampliação da parcela da dívida pública corrigida pela
taxa de câmbio, o Banco Central parece pouco inspirado, para dizer o
menos, quando se trata de aumentar
a credibilidade dos investidores na
política monetária.
A venda gradual e pré-anunciada
de dólares segue a mesma lógica do
sistema de metas inflacionárias: a
autoridade monetária supõe que o
bom comportamento, a adesão a regras e a transparência das decisões
bastem para estabilizar o mercado.
Não há surpresa. Ora, a ação previsível é quase uma não-intervenção,
pois quem joga contra o BC sabe de
antemão as cartas do adversário.
Não há mobilização de políticas estratégicas no comércio exterior. Não
há mobilização do Congresso ou de
governadores e prefeitos. É como se
nada houvesse a fazer: se a crise vem
de fora, a solução também virá.
É verdade que até certo ponto a crise cambial é especulativa (os exageros refletem o que os economistas
definem como "overshooting").
A semana passada foi exemplar,
com oscilações do real da ordem de
10% para cima num dia e para baixo
no seguinte, desvario que não indica
tendências para a economia.
O mais provável, aliás, é que a grave
crise atual leve o país a um ajuste pela
recessão, com expressivo aumento
do desemprego, mas sem descontrole inflacionário ou colapso da dívida pública provocado por uma hiperdesvalorização cambial.
Mas a opção do governo por políticas insuficientes e a sua aposta numa
solução que novamente venha de fora tornam o ajuste ainda mais amargo, instável e inseguro.
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