São Paulo, domingo, 05 de maio de 2002

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LULA E OS FUNDAMENTOS

Houve mudança de humor nos mercados financeiros, o que levou o dólar a nova alta e pressionou o índice Bovespa para baixo, tudo embalado por relatórios pessimistas de bancos estrangeiros.
A incerteza eleitoral explica em parte as apreensões dos investidores. O mais forte candidato da oposição, Luiz Inácio Lula da Silva, registra ganhos nas pesquisas eleitorais. Enquanto isso, o "anti-Lula" ainda não surgiu, diferentemente do que ocorreu nas duas eleições que consagraram Fernando Henrique Cardoso.
O risco econômico associado à incerteza política seria muito menor, entretanto, fossem sólidos os fundamentos da economia brasileira. O longo ajuste ultraliberal aprofundado por FHC provocou uma fragilidade econômica, fiscal e financeira que se tornou ainda mais aguda num cenário de crise internacional.
Dizendo-se sempre a favor de modernizar a economia e estabilizar a taxa de câmbio, as equipes se sucederam no Banco Central, e o ministro da Fazenda, Pedro Malan, bateu o recorde de permanência no cargo. Mas o apego a uma mesma receita foi insuficiente para dar solidez e sustentação aos fundamentos.
Na última batalha retórica contra analistas e organismos estrangeiros, o presidente do BC, Armínio Fraga, tentou descartar a tese de que a dívida externa brasileira é preocupante; FHC disse que o Brasil é uma espécie de ilha de tranquilidade. Preocupa o Banco Mundial que a dívida externa brasileira represente 10% do total dos débitos dos países emergentes. Fraga argumenta que a dívida é de "só" 40% do PIB.
Há outros indicadores do preocupante endividamento externo, incentivado pelo governo federal para fazer perdurar a sensação do real forte. Um deles é o que relaciona a dívida externa às exportações, esboçando a capacidade de o país captar dólares sem aumentar a dívida externa nem depender de privatizações e investimentos diretos. O passivo externo líquido - soma da dívida externa e do estoque de investimento estrangeiro, deduzidas as reservas cambiais e os investimentos e créditos de brasileiros no exterior- representava 394% das exportações em 1994. Essa relação atingiu, em dezembro de 2001, os 712%. As reservas internacionais, que eram 28% desse passivo em 1995, chegaram no ano passado a apenas 8,6%.
Uma lição da crise cambial é que não basta desvalorizar para exportar mais. O real perdeu valor, mas os saldos comerciais vêm sobretudo da contenção das importações. FHC anunciou a meta de US$ 100 bilhões de exportações, a ser atingida em 2002. Em abril, o montante das vendas externas foi de US$ 56 bilhões (acumulado de 12 meses). Sem exportar o suficiente, o país não pode crescer para não importar demais. O governo segura o crescimento com juros estratosféricos. E não há desenvolvimento possível com juros escorchantes e fragilidade fiscal.
Está em questão a política econômica centrada no otimismo quanto à liberalização dos mercados globais. As ilusões desse modelo camuflaram a precária base da política econômica sob FHC. Com Lula ou sem Lula, o próximo governo estará aprisionado num modelo inadequado do ponto de vista econômico e financeiro.
A percepção dessa incerteza estrutural tem levado bancos e investidores a subir a guarda.


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