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MEMÓRIA SELETIVA
Uma legião de analistas econômicos internacionais encorajou, por anos a fio, a Argentina a
persistir na linha de política econômica que ela seguiu até o final do ano
passado. Quando as dificuldades da
Argentina começaram a se avolumar, na virada de 2000 para 2001, os
elogios foram escasseando. A partir
do momento em que eclodiu a imensa crise em que o país vizinho se encontra, esses analistas simplesmente
lavaram as mãos.
Espanta a ausência de autocrítica
dessa massa de economistas, financistas e jornalistas. Afinal, eles devem ser considerados avalistas daquela política econômica e, portanto,
cúmplices da "débâcle" argentina.
Em vez de reconhecer sua participação, muitos atribuem a culpa pelas
dificuldades atuais exclusivamente
aos argentinos. Com isso, justificam
a omissão do FMI e das autoridades
dos países ricos, que continuam impassíveis ante a necessidade premente de socorro financeiro à Argentina.
Exemplo dessa atitude foi dado por
artigo recente de Martin Wolf, colunista do "Financial Times". O articulista atribui o desastre atual à "teimosa loucura" do presidente e aos políticos argentinos em geral, caracterizados como "crianças irresponsáveis". Esse sistema político deficiente
seria incapaz de impor a disciplina
fiscal que o FMI -justificadamente,
segundo Wolf- exige para conceder
novos créditos ao país.
É irônico que o articulista atribua as
dificuldades atuais ao desequilíbrio
das contas públicas na segunda metade dos anos 90. A atitude denota
memória seletiva, pois o governo argentino produziu esse desequilíbrio
enquanto implementava programa
econômico acordado com o FMI.
Os analistas econômicos e o próprio FMI não deram importância ao
desequilíbrio fiscal argentino enquanto o país pôde ser apresentado
como exemplo de liberalização radical bem-sucedida. Agora que o país
entrou em crise, expondo as graves
limitações daquele modelo, a maioria tenta se dissociar do fracasso.
Há quem seja capaz de produzir argumentos mais audazes do que os de
Wolf. Recentemente, Rudiger Dornbusch, professor do Massachusetts
Institute of Technology, recomendou à Argentina que, a fim de readquirir credibilidade internacional, renunciasse por alguns anos a grande
parte de sua soberania na condução
da política econômica -exatamente
o que o país vinha fazendo enquanto
insistia no "currency board".
Exemplo extremo de empáfia e autoritarismo foi dado pelo economista Jeffrey Sachs. Ele se declarou "maravilhado" com o golpe que tentou
derrubar Hugo Chávez da presidência da Venezuela. Entre a democracia
e o livre mercado ficou clara a sua
preferência. Ainda falta muito respeito, por parte de uma relevante fatia dos analistas internacionais, à
realidade, aos fatos e à soberania dos
países latino-americanos.
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