|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CLÓVIS ROSSI
50 anos não é nada
SÃO PAULO - Tinha prometido a mim mesmo que não voltaria a escrever sobre a obscena desigualdade no
Brasil -por ser inútil.
Todo mundo já sabe dos números
pavorosos a esse respeito, todos os
diagnósticos já foram feitos, todas as
promessas para mudar o quadro
também, mas, entra ano, sai ano, entra governo, sai governo, tudo continua igual ou pior.
Aí, Gilberto Dimenstein vem com a
capa publicitária do jornal "O Globo" de sexta-feira. Naquele dia, como
o leitor certamente lembrará, vários
jornais reproduziram, como matéria
paga da Petrobras, a sua própria capa de 50 anos antes, data em que Getúlio Vargas sancionou o decreto que
criava a estatal.
Um dos títulos da capa "fake" de
"O Globo" era: "O Brasil entre as nações mais pobres e atrasadas do
mundo" (com direito até a ponto de
exclamação para fechar o título, recurso que não se usa mais).
Na outra mão, Dimenstein tinha a
capa desta Folha (a verdadeira, da
sexta-feira 3/10/2003). Título principal: "Desigualdade piora em 66% do
país" (que pena que não se usa mais
ponto de exclamação e pena maior
ainda que não se tenha inventado
ponto de indignação).
O leitor conformista dirá: ah, pobreza e atraso não é o mesmo que desigualdade, e o Brasil já não está entre as nações mais pobres e atrasadas
do mundo.
É verdade, mas não é toda a verdade: para a grande massa de brasileiros que fica com as migalhas de uma
renda tão concentrada não há grande diferença na pobreza e no atraso
de 50 anos atrás e no de hoje.
De certa forma, até piorou: as grandes cidades e até cidades médias exibem hoje um grau de violência desconhecido em 1953, e são os pobres as
maiores vítimas.
Cinquenta anos, uma ditadura e 13
presidentes depois, é profundamente
doloroso verificar que, não fosse a tipologia ultrapassada, o título de "O
Globo" poderia ser tido como atual.
Texto Anterior: Editoriais: O CASO HUMBERT
Próximo Texto: Porto Alegre - Eliane Cantanhêde: Erros e acertos das pesquisas Índice
|