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O CASO HUMBERT
O caso Humbert comoveu a
França e reacendeu os debates
sobre a eutanásia. Vincent Humbert,
22, ficou tetraplégico, cego e mudo
num acidente de carro três anos
atrás. Comunicando-se com o mundo apenas através de movimentos
parciais do polegar da mão esquerda, ele escreveu um livro em que reclama o direito de morrer e anuncia
seus planos para pôr um fim à própria existência, com o auxílio de sua
mãe, Marie. Na semana retrasada,
ela ministrou-lhe uma superdose de
barbitúricos que o levou a um coma
e, depois, à morte. Um dos médicos
que o atendiam admitiu que também
ajudou o rapaz a morrer, desligando
os aparelhos que o mantinham vivo.
Na França como no Brasil, a eutanásia, a indução à morte com vistas a
abreviar o sofrimento de um doente
incurável, é proibida. Marie deverá
responder a processo. Ainda não está claro o que pode acontecer com o
médico. Boa parte da opinião pública francesa apoiou a atitude da mãe e
se diz favorável a uma mudança na
legislação. Apenas a Holanda e a Bélgica possuem leis que admitem a eutanásia ativa e a regulam. Na Suíça,
alguns cantões a toleram.
Parece claro que a questão, bastante polêmica, mereceria uma legislação para pelo menos distinguir entre
os diversos tipos de eutanásia, que
vão das ativas, como o suicídio assistido no caso do jovem Humbert, às
passivas, pelas quais uma equipe
médica deixa de tentar reanimar um
paciente terminal que sofra uma parada cardíaca. Esse segundo tipo
ocorre quase todos os dias em qualquer grande centro hospitalar do
mundo. Numa interpretação draconiana da lei, porém, tal conduta poderia, no Brasil, ser tipificada como
omissão de socorro.
Com o avanço de técnicas médicas,
pode-se hoje fazer prognósticos razoavelmente seguros. Embora sempre se possam levantar casos milagrosos de recuperação, quando mais
de um médico afirma que um caso é
sem esperança, são realmente grandes as chances de que de fato o seja.
Mais do que isso, hoje é possível
manter doentes muito graves vivos
por muito tempo, ainda que com
baixíssima qualidade de vida.
As objeções morais a uma eventual
descriminalização da eutanásia, seja
na França ou no Brasil, precisam
sem dúvida ser levadas em conta,
mas não devem ser tomadas como
um obstáculo intransponível. Exceto
para algumas religiões, a própria
moral é dinâmica, variando de época
para época, de lugar para lugar.
Também a possibilidade de que a legalização sirva para acobertar homicídios precisa ser levada em conta,
ainda que sem caráter determinante.
Em princípio, é mais do que razoável que um doente lúcido e devidamente informado do curso habitual
de sua moléstia escolha como morrer. Essa é apenas a mais dramática
das liberdades individuais. Mas, como nem sempre o paciente tem condições de tomar essa decisão, torna-se importante estabelecer regras claras para determinar o que se pode fazer nesses casos, quem responde pelo paciente e até que ponto. O que
não convém é que uma discussão tão
importante como essa siga sendo
travada nas sombras.
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