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SEM PRECONCEITO
A partir de meados do ano
passado, o Brasil se viu submetido a uma retração da oferta de crédito externo de intensidade raras vezes vista. Sofreram cortes até mesmo
as linhas de crédito à exportação
-que propiciam alta rentabilidade e
implicam baixo risco para os credores, pois as próprias mercadorias
servem de garantia.
Os efeitos adversos dessa retração
-com destaque para a queda das reservas de divisas do Banco Central
(BC), a explosão da cotação do dólar,
a alta da inflação e a elevação da taxa
de juros- ainda se fazem sentir.
Mas os eventos das últimas semanas
indicam que já está em curso uma reversão. Graças a fatores como a melhora do saldo comercial e a redução
da desconfiança dos investidores em
relação ao novo governo brasileiro,
assiste-se a uma retomada progressiva do acesso ao crédito externo.
O processo é ainda incipiente e tem
como um de seus fatores de estímulo
o imenso diferencial entre a taxa de
juros altíssima praticada no Brasil e
os juros internacionais, que se encontram em níveis muito baixos. Essa rentabilidade diferenciada atrai ao
país capitais voláteis, que buscam
ganhos de curto prazo.
Por basear-se em grande medida
nessa atração de "hot money", o alívio financeiro propiciado pela volta
dos capitais externos é ainda frágil e
sujeito a reversão. Não faltam exemplos, aqui mesmo no Brasil, da brutal volatilidade que esses capitais são
capazes de impor às reservas de divisas do BC. Basta lembrar que, em
meados de 1998, essas reservas se situavam em aparentemente confortáveis US$ 75 bilhões -valor que em
poucos meses caiu para menos da
metade, precipitando a forte desvalorização do real do início de 1999.
Sem dúvida hoje se vislumbra a
perspectiva de uma recuperação das
reservas do BC. Mas a situação ainda
não é confortável a ponto de parecer
recomendável criar imediatamente
normas que disciplinem a entrada de
capitais. Ainda assim, cabe iniciar a
discussão sobre a conveniência de
introduzir, mais adiante, controles
voltados a administrar a entrada de
capitais de curto prazo.
Sob o impacto da impressionante
sequência de crises financeiras que
vem sendo observada ao redor do
mundo desde 1995, o preconceito
contra o recurso a controles sobre a
entrada de capitais vem diminuindo
claramente. O tema já há algum tempo deixou de ser tabu nas publicações do FMI.
Há exemplos na própria América
Latina que ilustram os potenciais benefícios de disciplinar os fluxos de
capitais de natureza mais volátil. O
exemplo maior talvez seja a economia chilena, que há anos adota controles seletivos sobre a entrada de capitais e, comparativamente a seus vizinhos, tem resistido muito melhor
às intempéries financeiras globais.
Os grupos que ascenderam ao governo do Brasil em 2003, quando se
encontravam na oposição, costumavam pedir a introdução de controles
sobre os fluxos de capital. Agora que
se encontram no poder e se esforçam
para superar as desconfianças dos
investidores, poderão se sentir constrangidos em tratar do tema. Mas,
dentro de algum tempo, o assunto
poderá impor-se na agenda. É preciso abordá-lo sem preconceitos.
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