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FERNANDO DE BARROS E SILVA
País solto no ar
SÃO PAULO - O debate nacional parece girar em falso, em torno de migalhas. Há pouco, Lula convocou cadeia nacional para promover negócios da China; anteontem, foi a vez de
Márcio Thomaz Bastos ir à TV para
exaltar as operações da PF, segundo
ele sinal de "novos tempos" no país. O
governo perdeu a noção do ridículo.
O abuso do recurso à mídia oficial é
uma maneira de investir ações rotineiras de ares épicos. O Ministério da
Propaganda, o único que de fato
prospera neste governo, tira leite de
pedra para passar ao país a impressão de que estamos em obras.
Esses cacoetes são a manifestação
epidérmica de um mal-estar muito
maior. Tome-se o oba-oba que ganha
corpo em torno da retomada do crescimento. As atuais projeções -realistas ou fantasiosas, tanto faz- são
uma espécie de ladainha, um filme
enfadonho que assistimos há anos e
nos revela antes de mais nada a ausência de discussão substantiva, de
perspectiva e de projeto para o país.
Nessa toada, na melhor das hipóteses Lula nos deixará o mesmo legado
de FHC: uma modernização pífia, incapaz de equacionar e enfrentar a
herança de uma desigualdade social
que se reproduz a cada rodada de desenvolvimento, como uma tralha que
o progresso arrasta consigo. Alguém
sensato e não ofuscado por um petismo infantil ainda é capaz de acreditar e sustentar que o Brasil será outro e melhor depois de Lula?
É um destino irônico, esse que vai se
desenhando. A maior liderança intelectual e a maior liderança social forjadas nos anos 60 e 70, no confronto com a ditadura, chegam ao poder para se converterem em coveiros da esperança de que foram os portadores.
Vale para o caso do colapso brasileiro a máxima que os estudantes picharam pelas ruas de Paris em 68: a
história não se repete, ela gagueja.
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