São Paulo, domingo, 07 de julho de 2002

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Do que é feito o universo?

ROGÉRIO ROSENFELD


Sabemos hoje que cerca de 65% do universo é composto por algo difuso, que não se concentra em galáxias


Perguntas simples de serem formuladas geralmente têm respostas complexas. Por exemplo, se me perguntassem do que é feita a mesa que usei para escrever este texto, poderia responder que é feita de madeira. A resposta é correta, mas pode não satisfazer totalmente a curiosidade de uma mente inquiridora. "Mas do que é feita a madeira?" -seria a próxima pergunta. Uma sequência de perguntas desse tipo nos leva logo à fronteira do conhecimento científico no mundo microscópico.
A madeira é feita de moléculas e estas são compostas de átomos. Os átomos são formados por um núcleo pesado, contendo prótons e nêutrons, com elétrons orbitando ao seu redor. A estrutura do átomo, que começou a ser desvendada por lorde Rutherford, nos anos de 1910, é o que aprendemos na escola.
Hoje sabemos que os prótons e nêutrons são formados por outras partículas, denominadas quarks e glúons, mas isso não será relevante para nosso propósito. Portanto, em vez de responder que a mesa é feita de elétrons, quarks e glúons, aqui será suficiente responder que a mesa é feita de átomos.
Aumentando um pouco nosso escopo, vamos atentar para o mundo que nos cerca. Do que é feito o planeta Terra? Sem dúvida, toda a diversidade de nosso planeta pode ser reduzida a átomos. Mas não é só isso. Caso não houvesse luz, não conseguiríamos enxergar nada. A luz é apenas um exemplo particular do que chamamos de radiação eletromagnética, que abrange desde a radiação dos fornos de microondas até os raios x usados para radiografias. Sabemos que a luz é feita de uma torrente de partículas elementares, os fótons.
Um outro ingrediente que temos ao nosso redor, mas que não notamos, são partículas de um tipo diferente, produzidas em reações nucleares como as que ocorrem no Sol ou em reatores aqui na Terra. São os chamados neutrinos, que interagem tão fracamente que bilhões deles podem passar por nossos corpos sem que percebamos. Eles foram detectados na década de 50, com o desenvolvimento dos primeiros reatores nucleares para gerar eletricidade.
Podemos, então, responder, simplificadamente, que no nosso planeta temos átomos, fótons e neutrinos.
Vamos agora iniciar nossa tentativa de responder à pergunta do título do artigo: Do que é feito o universo? Primeiramente, temos que enfatizar algo óbvio: o universo é muito grande. Nossa galáxia, a Via Láctea contém cerca de 100 bilhões de estrelas. O universo contém bilhões de galáxias! Como podemos tentar responder a essa pergunta, se nunca conseguimos sequer enviar espaçonaves às redondezas do nosso sistema solar? Certamente, temos que inferir a composição do universo a partir de observações realizadas por instrumentos aqui na Terra ou em sua órbita.
Como primeira tentativa, poderíamos pensar que o universo é feito das mesmas coisas que estão no nosso planeta: átomos, fótons e neutrinos. De fato, por muitos anos esse foi o paradigma científico. Esse paradigma começou a ruir quando observações iniciadas na década de 30, pelo astrônomo suíço Fritz Zwicky, mostraram que o peso das galáxias (ou, mais precisamente, a quantidade de massa) é cerca de cem vezes maior que o de todas as estrelas da galáxia somadas. Portanto há na galáxia um tipo de matéria que não irradia luz, que ficou conhecida como matéria escura.
Na década de 70, avanços em cosmologia mostraram como calcular a quantidade de átomos de elementos leves, como o hélio e o deutério, que teriam sido produzidos nos três primeiros minutos do universo. Para explicar as quantidades observadas desses elementos leves em galáxias distantes, apenas uma fração muito pequena do universo, aproximadamente 5%, seria composta de átomos. Uma fração muito menor corresponderia a fótons e neutrinos. Logo a maior parte do universo não é feita do mesmo material de que nós somos feitos, de átomos. Mas qual a composição dos outros 95% do universo?
Não temos uma resposta definitiva ainda. Chegamos à fronteira do conhecimento macroscópico. A dinâmica das galáxias indica que 30% do universo é composto por um novo tipo de partícula elementar, responsável pela matéria escura. Possíveis candidatos são postulados por várias teorias, mas ainda não foram produzidos no laboratório. Eis a conexão entre o macro e o microcosmo.
Graças a uma descoberta em 1998, considerada pela revista "Science" uma das mais importantes do século 20, sabemos hoje que cerca de 65% do universo é composto pr algo difuso, que não se concentra em galáxias e que provoca a expansão acelerada do universo. Uma analogia imperfeita seria a de um meio extremamente tênue que permeia todo o universo. Para dar uma idéia, o peso desse meio, contido em um volume igual ao volume da Terra, seria de apenas um centésimo de grama. Esse meio poderia ser formado pela chamada constante cosmológica, proposta por Albert Einstein para explicar por que o universo seria estático, que era o paradigma do início do século 20.
Com a descoberta da expansão do universo pelo astrônomo Edwin Hubble, Einstein reconheceu nessa constante seu maior erro. Talvez Einstein estivesse certo, afinal. Há outros modelos alternativos para esse meio, mas ainda aguardamos mais fatos experimentais para confirmá-los ou excluí-los.
Em suma, eis a receita de universo: 5% de átomos, 30% de uma partícula elementar ainda desconhecida e 65% de um meio difuso cuja origem não conhecemos. A resposta que temos hoje está longe de ser satisfatória. Ainda bem, pois terei no que trabalhar amanhã.
Rogério Rosenfeld, 40, PhD em física pela Universidade de Chicago, é professor livre docente do Instituto de Física Teórica da Unesp.



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