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CLAUDIO ANGELO
Morcego verde
CEM DIAS depois de assumir o
Ministério do Meio Ambiente, Carlos Minc Baumfeld sedimentou uma nova maneira de fazer política ambiental no Brasil:
por ecolocação. Como um morcego
numa caverna escura, Minc passa o
tempo todo emitindo guinchos em
várias direções e esperando que
eles ecoem (na imprensa). Quando
encontra um obstáculo, troca de
direção, mesmo que isso signifique
voar de marcha-à-ré.
Um dos recuos mais recentes
ocorreu no terreno espinhoso da
reserva legal na Amazônia. Primeiro, Minc fechou com seu mais novo
amigo de infância, Reinhold Stephanes (Agricultura), um acordo
supimpa para permitir a plantação
de dendê em até 50% da área das
propriedades rurais da Amazônia.
"Quem tudo quer, tudo perde", justificou-se na ocasião, dizendo que
as regras de preservação não podiam ser rígidas demais. Enquadrado pelas ONGs, aparentemente
mudou de idéia. Antes disso, prometeu mudar a lei para acelerar a
concessão de licenças ambientais e
recuou; lançou a idéia de uma superguarda ambiental na Amazônia
que não chegou nem a entrar no
papel. Ameaçou apreender bois piratas no pasto, depois disse que iria
apenas marcá-los, para finalmente
micar com milhares de cabeças que
ninguém queria comprar e acabaram sendo leiloadas a preço de carne de segunda. (O projeto do boi pirata havia sido descartado por Marina Silva, por razões óbvias.) Em
agosto, anunciou três vezes o mesmo dado de desmatamento.
Nada disso parece constranger
Minc. Ao contrário, cada desdito é
mais uma oportunidade de aparecer nos jornais. Só nesta Folha foram 263 citações de maio a agosto,
mais do que sua antecessora teve
em todo o ano de 2007 (211).
Por um lado, esse vôo cego ainda
não produziu nenhum dano ao patrimônio ambiental brasileiro. Notavelmente, Minc conseguiu manter a principal medida do governo
no setor, o decreto de dezembro de
2007 que determina a suspensão
de crédito rural a desmatadores.
Por outro, o ministro já deixou claro que não está lá para dizer o que
pode e o que não pode ser feito,
mas sim quantas árvores o empreendedor vai precisar plantar
depois para "compensar" o impacto que causará. Foi assim, na base
do "dois para lá, dois para cá", que
Minc licenciou a obra mais polêmica do governo Lula, a hidrelétrica de Santo Antônio. Trocou a licença de instalação pela "adoção"
pelo empreendimento de dois parques, ignorando um parecer do
Ibama contrário à usina.
Ambientalistas de alto calibre já
se perguntam se, com tanta coisa a
compensar, sobrará alguma coisa a
conservar no país quando Minc e
seus coletes deixarem o ministério. Mas, num país cuja ministra-chefe da Casa Civil chama de "futuro" um poço de petróleo de 300
milhões de anos de idade, Minc é o
homem certo no lugar certo.
CLAUDIO ANGELO é editor de Ciência .
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