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A MÃO SINISTRA
Em um clássico do cinema, dirigido pelo cineasta norte-americano Stanley Kubrick, o ator Peter
Sellers interpreta o memorável doutor Strangelove, numa corrosiva sátira ao militarismo anticomunista
norte-americano dos tempos da
Guerra Fria. Ele vive às voltas com
seu braço mecânico, que insiste em
se erguer inadvertidamente em saudação fascista, acentuando as tendências ideológicas da personagem.
Também partidos de esquerda, mesmo convertidos às regras do convívio
democrático, parecem às vezes ser
vítimas do tique revelador de Strangelove: quando não se espera, eis que
erguem o braço e deixam entrever os
traços de suas surradas concepções
autoritárias e centralizadoras.
Nesta semana, dois fatos restabeleceram as ligações entre o governo
petista e alguns conhecidos cacoetes
stalinistas: o texto de uma lei para
criar a Agência Nacional do Cinema
e do Audiovisual (Ancinav) e a proposta, encaminhada pelo presidente
Luiz Inácio Lula da Silva ao Congresso, com vista a instituir o Conselho
Federal de Jornalismo (CFJ).
Nos dois projetos, temos a mão sinistra do estatismo e do dirigismo
procurando regulamentar, controlar
e domesticar a livre expressão do
pensamento. No caso do CFJ, a justificativa apresentada pelo ministro do
Trabalho, Ricardo Berzoini, fala por
si: "Não há nenhuma instituição
com competência legal para normatizar, fiscalizar e punir condutas inadequadas dos jornalistas". O ministro, talvez inspirado no exemplo do
líder cubano Fidel Castro, que ocupa
lugar proeminente na galeria dos heróis petistas, não deixa dúvida sobre
o que se pretende: independentemente de já existir legislação específica, cria-se uma instância de "fiscalização" ligada ao governo federal,
que terá enorme potencial de ser instrumentalizada para coagir profissionais da imprensa.
A idéia, que foi lamentavelmente
sugerida pela própria Federação Nacional dos Jornalistas, ganha contornos ainda mais alarmantes ao se recordar que o governo recentemente
pretendeu expulsar do país um correspondente do jornal "The New
York Times", além de solicitar, por
intermédio do ministro Luiz Gushiken, da Secretaria de Comunicação,
que a imprensa fosse menos "negativista". Não satisfeito, o mesmo Gushiken afirmou anteontem que o CFJ
irá "proteger a sociedade".
No mesmo sentido vai o projeto da
Ancinav, segundo o qual o Estado arvora-se em ente todo-poderoso no
planejamento, regulamentação, fiscalização e administração das atividades cinematográficas e audiovisuais, tratando de submetê-las a valores éticos e a finalidades "relevantes" que serão, afinal, definidas por
quem detém o poder político.
É fato que a legislação sobre cinema merece aperfeiçoamentos, notadamente no que tange às regras do
incentivo fiscal, por demais concessivas e consideradas por muitos ineficazes para estimular a formação de
investidores privados. Bem diferente
é trilhar o caminho do intervencionismo e procurar colocar sob o jugo
do poder central a própria "responsabilidade editorial e as atividades de
seleção e direção da programação".
Felizmente, as veementes reações
da sociedade parecem ter, nesse caso, surtido algum efeito. O Ministério da Cultura viu-se compelido a
ampliar o debate e rever o texto.
Quanto ao infame Conselho Federal
de Jornalismo, é de esperar que seja
rechaçado pelo Legislativo.
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