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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES
Descanse em paz...!
As ameaças de recessão mundial
e de débâcle nas Bolsas e o clima
de tensão no Iraque -às vésperas do
11 de setembro- tornaram o clima da
semana extremamente pesado.
Estava pensando nisso tudo quando
me ligou a Joaninha, velha amiga dos
bancos escolares. Acreditei que viria
um comentário sobre a gravidade do
quadro mundial. Que nada! A Joaninha é apegada ao varejo, às coisas do
dia-a-dia, que afetam diretamente a
sua vida, como a sujeira das praças
públicas, o preço dos remédios, a precariedade dos ônibus e os assaltos cotidianos.
A propósito, ela relatou-me, indignada, um novo tipo de assalto, que
atinge os mortos. Fiquei intrigado.
Mas explicou-me. Trata-se de uma
quadrilha que se infiltrou no Serviço
Funerário do Município de São Paulo
durante os oito anos da gestão Maluf-Pitta e ali achacou, sem a menor cerimônia, as floriculturas que forneciam
as coroas para os enterros, e que, evidentemente, repassaram o custo das
propinas aos familiares dos mortos.
Disse-lhe que isso é varejo no campo
da corrupção. Ela argumentou, porém, que o negócio era de grande
monta. Como ocorrem 200 sepultamentos por dia, e a morte não respeita
sábados e domingos, a Joaninha calculou que foram 73 mil enterros por
ano -e 584 mil no período considerado.
Vejam com o que ela vai se preocupar... Mas num ponto está certa. Os
parentes, na hora da dor e do descontrole, são vítimas fáceis dos achacadores, e, indefesos, acabam pagando o
sobrepreço que lhes é imposto.
É evidente que quase 600 mil sepultamentos devem ter rendido uma boa
bolada aos funcionários corruptos e
generosos dividendos aos seus superiores. É assim que se formam as caixinhas eleitorais...
Eta, Brasil! A corrupção não respeita
nem sequer os mortos. Há vários anos
os cemitérios de São Paulo são visitados por malandros que "assaltam" os
mortos, tirando-lhes os dentes de ouro e as alianças, a exemplo do que
aconteceu com a Taça Jules Rimet,
que, em 1983, foi roubada, derretida e
vendida no mercado.
Por fim, a Joaninha lamentou: "No
passado, meu pai perguntava: "Para
que fazer muros nos cemitérios se
quem está dentro não pode sair e
quem está fora não quer entrar?". Hoje
tudo mudou. Os mortos vão precisar
de seguranças para se defender de
quem, sem ser chamado, adentra nos
seus túmulos. Já não se pode morrer
em paz...".
Com essa conversa, suspeitei que essa malandragem de varejo que ocorre
nos pequenos serviços, nos sindicatos,
na vida dos ambulantes e na de tantos
outros não deve entrar no índice de
corrupção calculado pela International Transparency, no qual o Brasil dista 45 posições em relação aos países
menos corruptos (Finlândia, Dinamarca e Nova Zelândia). Se entrasse,
certamente estaríamos pior.
É verdade que há 57 países mais corruptos do que o Brasil. Mas devemos
olhar para frente, e não para trás. A
corrupção é como o diabetes. Não tem
cura, mas precisa ser vigiado o tempo
todo, porque, solto, onera a administração, deteriora os valores e acaba
com a esperança da juventude. O Brasil tem uma grande caminhada para
acabar ou pelo menos para reduzir a
impunidade. Afinal, é o varejo que
mais afeta a vida do povo.
Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.
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