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CARLOS HEITOR CONY
Filhos e livros
RIO DE JANEIRO - Não entendi na hora, e não entendo até hoje, o que
ela quis dizer quando pediu que eu
"desculpasse qualquer coisa". Na verdade, nem prestei atenção ao que ela
disse, muito menos ao que eu disse. A
expressão, que parece delicada ("desculpe qualquer coisa"), é quase exclusividade dos simples, das donas-de-casa que recebem visita e pedem desculpa antecipada por qualquer coisa.
Caiu de moda nos escalões superiores
da sociedade.
No entanto a moça nem era simples
como as donas-de-casa do subúrbio
nem pertencia ao topo da pirâmide
social. Era simplesmente uma pesquisadora, contratada por uma editora espanhola para fazer o perfil de
alguns escritores. E ela levou a pesquisa a sério, perguntou o que devia e
o que não devia, eu respondi o que
podia -e podia pouco.
Uma pergunta ficou no ar, sem resposta. A moça quis saber quantos filhos eu fizera neste mundo, eu respondi com a verdade atestada pelos
cartórios de registro civil do meu
país: "Três". Ela perguntou se eu tinha certeza, eu ia dizer que sim, absoluta certeza, mas, como me comprometera a dizer a verdade, a tão só
verdade, abri uma perspectiva mais
ampla, comum a qualquer homem:
"Bem, a maternidade é um fato, a
paternidade é uma possibilidade,
posso ter muitos filhos por aí e posso
até não ter tido nenhum".
Para complicar a coisa, depois da
pergunta sobre os filhos, ela perguntou sobre os livros, quantos eu já publicara. E, honestamente, respondi
que não sabia, minha contabilidade
literária é uma bagunça editorial,
houve até uma adaptação infanto-juvenil de Júlio Verne que apareceu
no mercado assinada somente por
mim.
A moça percebeu que eu ficara
constrangido com a confissão. Pediu
que eu desculpasse qualquer coisa.
Desculpei.
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