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A POLÍTICA E A CRISE
Os agentes do mercado financeiro atribuíram parte da deterioração do cenário econômico das
últimas semanas às incertezas eleitorais. Esse setor nervoso da sociedade
vinha interpretando as pesquisas
eleitorais como um aumento da
chance de vitória da oposição e considerando insatisfatória a performance do candidato do governo, José Serra. Por esse raciocínio, temerosos de que uma gestão Luiz Inácio
Lula da Silva não se comprometa
com a continuidade da política econômica, esses agentes pressionaram
o dólar e forçaram o governo a vender títulos de dívida mais curtos.
Se o princípio for verdadeiro, a semana que entra deve ser, para o mercado financeiro, mais calma que as
que passaram. Afinal, a pesquisa do
Datafolha publicada hoje mostra
uma queda nas intenções de voto de
Lula (de 43% para 40%) e uma subida de Serra (de 17% para 21%), que,
assim, se isolou em segundo lugar.
Uma versão crua de como pensa
parte globalizada desse mercado foi
expressa pelo megainvestidor George Soros e registrada pelo colunista
desta Folha Clóvis Rossi. Para Soros,
os Estados Unidos, tal como a Roma
imperial em sua época, seriam o único poder que de fato possui capacidade de escolha no capitalismo global. E os americanos, ainda de acordo com Soros, escolheram Serra para ser o sucessor de Fernando Henrique Cardoso. O megaespeculador
húngaro naturalizado americano
completa seu raciocínio vaticinando
que, caso os brasileiros contrariem
essa suposta vontade dos EUA, o resultado seria o "default" (calote na
dívida pública brasileira).
Por mais que os petistas reajam a
esse tipo de declaração se dizendo vítimas de "terrorismo eleitoral", a indisposição epidérmica dos investidores a um eventual governo Lula
não diminuirá. O compromisso dos
agentes de mercado é garantir o máximo retorno aos investimentos
-tudo o mais, inclusive a democracia, é secundário. Basta lembrar que
a China vive sob uma ditadura comunista e que isso não a impede de ser
um dos mais pujantes mercados para os investidores globais.
A face perversa e real do diagnóstico de Soros está no que ele não diz.
Um país "emergente" está lançado à
categoria dos que têm pouca margem de manobra no mundo global
se a sua dependência de capital externo é grande. Esse é, infelizmente, o
caso do Brasil. E o agravamento dessa dependência é uma ameaça potencial às instituições, como revelou
recentemente o caso argentino.
Aos candidatos à sucessão de FHC,
esbravejar contra a "ditadura do mercado" de pouco adiantará. Os investidores internacionais serão essenciais a qualquer plano de transição
rumo a uma inserção mais saudável
do Brasil na economia global. O que
cabe aos políticos -do governo ou
da oposição- é formular suas propostas para diminuir paulatinamente a vulnerabilidade externa da economia brasileira. Não seria exagero
dizer que o fortalecimento das bases
sobre as quais se assenta a democracia no Brasil depende em boa medida
desse já inadiável ajuste externo.
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